O debate sobre a quebra de monopólio e abertura para capital privado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) entra nesta semana em fase decisiva no Congresso. É esperado para os próximos dias a apresentação oficial do parecer do relator, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA) sobre o projeto de lei 591/21, enviado pelo Executivo em fevereiro deste ano, e ele já antecipou que deve incluir no texto a possibilidade de venda de 100% do capital da estatal. Mas afinal, o que muda, na prática, com uma possível privatização dos Correios?
Primeiro, é bom dizer que ainda não se trata da privatização em si, mas é um projeto que abre caminho para que a venda ocorra. Também há muitos pontos em aberto. Não se sabe, por exemplo, se será apenas uma empresa a assumir o serviço ou várias; o que acontecerá com os mais de 90 mil empregados dos Correios; se, após a privatização, o Governo ainda dará subsídio para garantir a modicidade das tarifas, como ocorre com a concessão de ônibus; ou mesmo se ocorrerá uma venda direta, o repasse do controle majoritário ou de apenas parte da empresa.
Nos estudos sobre a desestatização, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concluiu que os investidores não querem ter a União como acionista relevante no negócio. Posição também defendida pelo Governo.
Na opinião do engenheiro Antonio Wrobleski, presidente do conselho administrativo Pathfind e conselheiro na BBM Logística, a continuidade do Governo no negócio, por menor que seja, pode frustrar a participação de interessados em uma possível compra. Isso por conta da ferramenta conhecida como golden share ou “ação de ouro”, na qual, independente do tamanho da participação, o Governo ainda mantém poder de veto para decisões importantes.
“As experiências passadas não foram positivas. Além disso, os Correios valem, por baixo, mais de R$ 20 bilhões, é um valor expressivo. Não há muitos players no mundo que tenham disponibilidade de fazer isso. E, os que têm, não estão dispostos a correr riscos de um eventual veto do Governo ou intervenções políticas travarem as modernizações necessárias”.
Mas, apesar de favorável à privatização integral, alerta que a venda não pode se dar de qualquer jeito. O modelo brasileiro foi construído de modo que os Correios é a única empresa que tem capilaridade para atuar em todos os municípios brasileiros. Hoje, mesmo a maior empresa privada, chega a, no máximo, 3 mil municípios, e ainda assim, usa em algum trecho um braço dos Correios para chegar aos locais de difícil acesso.
Além disso, o sistema de entregas da estatal funciona por meio de um subsídio cruzado, no qual os pontos de atendimento que conseguem gerar lucro na operação logística, financiam as unidades onde há prejuízo. E isso é extremamente sensível, já que em larga medida, os Correios gastam mais para entregar do que o que é arrecadado com a cobrança de frete. Ainda assim, em 2020, a empresa teve lucro de R$ 1,5 bilhão.
Por isso, Wrobleski defende que, para dar certo, quem assumisse deveria necessariamente ter expertise em logística multimodal – aérea, terrestre e marítima -, não poderia ser um banco, por exemplo. Além de um acordo de governança eficiente que garanta a viabilidade mesmo nos rincões do País. “O que vai garantir o sucesso da venda é um bom acordo de acionista e a supervisão de uma agência reguladora eficiente, não dá para fazer um puxadinho dentro de outra”.
Já o economista Renato Chaim vê vários problemas na forma como a discussão está sendo conduzida. Sem o Governo, afirma que são grandes os riscos das áreas mais distantes, como terras indígenas, por exemplo, ficarem desassistidas. Se apenas uma ou poucas empresas assumirem a operação, pode ter também alta nos preços (não no curto prazo, porque a lei amarraria, mas no longo prazo). Por outro lado, se o serviço for muito fatiado, poderiam ocorrer distorções na qualidade do serviço prestado nas diferentes regiões.
“Acho que existe um desespero muito grande em privatizar os Correios de qualquer jeito e isso é muito ruim porque desde a Constituição de 88 esse é um serviço considerado universal e essencial, como é a saúde e educação. Aliás, é o único que chega a todos, independente de renda ou local de moradia, mesmo os mais distantes”.
Entenda a polêmica sobre a privatização dos Correios
Qual o tamanho dos Correios hoje?
– Os Correios é a única empresa do ramo que está presente em todos os 5.570 municípios brasileiros.
– No Brasil, são 10.982 unidades de atendimento. Sendo, são 760 pontos de atendimento no Ceará.
– Possui mais de 90 mil empregados. Destes, 2.226 atuam no Ceará
O que diz a PL 591/2021 que está tramitando na Câmara Federal?
– Enviado pelo Governo em fevereiro deste ano, o Projeto de Lei 591/21, na prática, autoriza que os serviços postais possam ser explorados pela iniciativa privada, inclusive, os que hoje estão em regime de monopólio.
– Pela proposta, a União manterá para si apenas uma parte dos serviços, chamada na proposta de “serviço postal universal”. Seria uma forma de cumprir a obrigação prevista na Constituição.
– O operador privado será obrigado a praticar a modicidade de preços e cumprir metas de universalização e de qualidade definidas pelo Governo dentro da política postal brasileira. O texto abre possibilidade para mais de um operador por região.
– Também define regras para o que seria um novo marco regulatório para o setor, com direitos e deveres das empresas que entrarem no mercado postal
– Amplia atuação da Agência Nacional de Telecomunicações, que passaria a incluir também os serviços postais no Brasil.
Muita água para rolar….
– O projeto ainda não é a privatização em si. Além disso, pode sofrer alterações durante a tramitação. Inclusive, algumas delas devem aparecer já no voto do relator, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA).
– É preciso aprovação do plenário. Embora o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP- AL), tenha prometido a votação até agosto, o projeto precisa passar pelo Senado Federal e ser sancionado.
– O Governo ainda teria que apresentar o projeto de privatização em si.
– A privatização dos Correios é objeto de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), movida pela Associação dos Profissionais dos Correios e está sob responsabilidade da ministra Cármen Lúcia. No dia 6, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra a privatização de 100% do serviço postal e dos correios aéreos.
É verdade que os Correios têm monopólio de todas as entregas no Brasil?
Não. O monopólio é apenas para serviços postais e o correio aéreo nacional. Ou seja, cartas, cartões postais, telegramas e correspondência agrupada (malotes). Desta forma, cobranças comerciais como faturas de cartões de crédito, carnês, talões de cheques, cobranças de tributos e todas as correspondências para um destinatário específico só podem ser entregues pelos Correios.
Mas porque existe o monopólio?
A Constituição de 1988 estabeleceu que cabe ao Estado manter o serviço postal e o correio aéreo nacional por esta ser uma área considerada estratégica, inclusive, à segurança nacional e à proteção de dados do cidadão.
É a chamada “área de reserva”. Esta condição foi, inclusive, reafirmada pelo STF em 2009. Neste julgamento, ratificaram também a legalidade da atuação das empresas privadas para os demais tipos de entrega.
Os Correios dão prejuízo à União?
Não. Em 2020, a empresa teve lucro de R$ 1,5 bilhões. Alta de 84% em relação a 2019 e o melhor resultado há pelo menos uma década.
Então por que se fala tanto em privatização?
Prós
De modo geral, os defensores da privatização defendem que o dever do Estado seria cuidar de áreas mais essenciais como educação, saúde e segurança. Além disso, sustentam que a gestão da empresa não é eficiente e as modernizações são necessárias. Ainda mais considerando o potencial de crescimento do comércio eletrônico.
Contras
Além de ser uma empresa lucrativa, existe a preocupação de que, em uma privatização, áreas lucrativas continuem sendo atendidas pelo serviço, mas áreas pobres ou mais distantes fiquem desassistidas ou mal atendidas. Também argumentam que isso pode agravar o desenvolvimento de cidades menores e o desemprego no País, já que a empresa pública emprega hoje 90 mil funcionários.
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