Crateús

Histórias de Crateús, você conhece ou conheceu o Mané Jumentim da Rua São José?

A Rua São José deve ser a única do mundo que é formada por um só quarteirão. Vielas deste tipo, normalmente, são chamadas de travessas. Situada a oeste da cidade ela quase que desemboca nas matas ciliares do Rio Poti, local onde perambulam faunos libidinosos e eróticas fadas matreiras. Ambiente propício para a iniciação sexual da garota que se disfarça com baladeira na mão, mas o intuito é outro e bem diferente. No meio da tropa de jegue, que por ali pasta, existem umas colianas, umas Equus asinus do pé duro que é o objetivo dos meninos traquinas.

Na tranquila São José morava o jovem Manoel Mathias que já se iniciara na refrega com uma jumentinha chamada mimosa. Manoel procura pelas encostas do rio, mas não encontra mimosa. Na certa andará em estripulias com algum fauno devasso, pensa ele. Percebe outra jumentinha debaixo de um juazeiro e, estalando a língua nos dentes, arrisca uma aproximação para executar seu intento, porém leva um coice certeiro provocando um estalo de osso quebrado no ar: Craacccc!!! A canela de Manoel se parte ao meio e ele fica choramingando de dor, estendido no chão.

O socorro logo chega e o levam ao Sr. Quincas, um prático na arte de emendar ossos quebrados dos dedos, dos braços e das pernas dos acidentados da cidade, sem o olhar miraculoso do Raio X e só indicando, com as mãos, a fratura na sua posição original.. Foi o primeiro ortopedista dos sertões de Cratheús. Com talos de carnaúba e tiras de pano conserta a perna de Manoel, receita mastruz com leite e muito repouso. Repouso? Manoel teima em colocar o pé no chão antes do tempo e, à medida que sarava, foi se formando um arco e ficando uma perna mais curta que a outra, daí veio-lhe o primeiro apelido, Mané Jumentim!

Não se sabe se foi por esse desgosto que Mané se tornou um fino bebedor de cachaça, inveterado ao extremo e como não trabalhava vivia a implorar uma dose a um e a outro, mas isso era o de menos pois se mostrava um bebum chato de galocha que a todos perturbava. Quando o avistavam na rua, num andar penso ao inclinar o corpo para o lado da perna curta, diziam: – Vixi, lá vem o Mané Jumentim implorar por cachaça!
Um dia Mané perturbava um primo militar que mexia num revolver e a arma dispara, acidentalmente dizem, atingindo a boca do bebinho que ficou com o queixo inferior aleijado, virado para o mesmo lado da perna quebrada.

Nem assim deixou a cachaça de lado. Depois que sarou do tiro continuou a rogar por pinga nos balcões das bodegas da Rua Frei Vidal. No bar do Valmir o pessoal pagava as pingas só para mangar e rir do jeito que ele bebia com aquele queixo torto, o barulho era de uma pia quando a última porção de agua desce pelo ralo: – Chuuuup krooom aah! Depois disso Mané Jumentim perdeu o apelido e ganhou outro não menos interessante e bem característico, quando ele vinha subindo a Rua Frei Vidal os outros comparsas diziam: – Vixe, lá vem o Boca de Cari Bodó chorar por cachaça!
O Boca de Bodó continuou com suas inaceitáveis presepadas e num forró, numa localidade chamada Feijão, encheu tanto o saco do povo atrás de goró que alguém quebrou-lhe um tamborete de madeira na cabeça. De outra feita, num bar do submundo da cidade, dessossegou a um desconhecido beberão com suas lambanças chatas e este lhe desferiu umas facadas na barriga.

O Boca de Cari escapou mais uma vez, mas nada de deixar de perturbar nos pés de balcão por uma pinga ou mesmo o sobejo dos copos ele não recusava. Já não chamava o Manoel de Mané Jumentim, nem de Boca de Cari Bodó, tinha outro apelido e quando vinha, todo enjambrado, mancando da perna torta e o beiço jogado pro lado, os comparsas da Frei Vidal diziam: – Vixi, lá vem o imortal novamente suplicar por cachaça!
Dizem que o santo dos bêbados é muito forte e eu acredito! E quem toma umas e outras, aqui e acolá, deve se apegar com o poderoso Santo Onofre, um eremita que viveu no deserto do Egito e que nunca bebeu.

Para o Boca de Cari, ou o Imortal, o santo era um bom protetor mesmo. Na época, Cratheús só tinha dois carros de praça, duas rurais Willians, uma do motorista Tabaquinho e a outra do Flor. Os dois resolvem pegar parelha pela Rua Frei Vidal até o final, nos Paus Brancos, no exato momento em que o Imortal ia pra casa e a avenida estava muito estreita pra ele, que fazia um zigue-zague sem previsão e sem nexo. As duas rurais se aproximam aceleradas, o zuuuuuumm de uma se confundia com o da outra. Flor tira um fino no imortal que cai e Tabaquinho, que vinha mais atrás, não o vê e passa por cima daquela coisa estendida no chão. O povo que assistia àquela tragédia gritou: – Vixi, o Imortal agora morreu!

Que nada, o Imortal se levantou, bateu a poeira, saiu esculhambando a todo mundo e até desistiu de ir pra casa, voltou para tomar mais uma talagada para se aliviar do susto que passou. Santo Onofre estava por perto, com certeza.

Porém, contudo, todavia como dizem os bons filósofos, tudo que começa tem que chegar ao fim. Certo dia o Imortal acorda com uma ressaca tremenda e, já no caminho de tomar a primeira para suavizar a tremedeira, resolve se aliviar no mato. Mal se acocora, para arriar a massa, de uma moita pertinho uma nambu se alvoroça, bete as asas e levanta voo: Xhuuuh Xhuuuuh Xhuuuuh … O susto foi tão grande que o coração do Imortal pifou. Nesta hora ele deixou de ser o Mané Jumentim ou o Boca de Cari e voltou a ser o Manoel Mathias da São José, o bebim que partiu desta para outra bem melhor por causa do susto de uma nambu. Oh Manoel Mathias, aí de onde estiver, dê lembrança ao querido Santo Onofre e tome uma por mim! Tá certo?

Por Raimundo Cândido

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