Em Duna, a ficção científica de Frank Herbert, as Shai-Hulud – minhocões enormes que fazem natação nas areias profundas do planeta desértico Arrakis –, não só são excelentes meios de transporte como também estão no cerne da obtenção dos alucinógenos que sustentam a narrativa.
A Água da Vida, por exemplo, é uma bile extraída dos vermes de areia bebês após matá-los afogados. Ela é extremamente tóxica e letal para os desinformados, mas se ingerida pelos personagens certas, têm uma função ritualística religiosa, aguça os sentidos e confere presciência.
O estágio de vida larval dos vermes gigantes também tem a ver com as reações químicas que produzem um princípio ativo conhecido como mèlange – ou, simplesmente, “especiaria”.
Esse alucinógeno, que só pode ser extraído do solo desértico de Arrakis, confere habilidades cognitivas imprescindíveis para os pilotos da marinha mercante conseguirem navegar pela galáxia sem cair em um buraco negro ou nada do tipo. Por isso, ele é essencial para o comércio interplanetário.
Por mais que as Shai-Huluds não existam na vida real, algumas minhoquinhas aqui da Terra protagonizam seu próprio Breaking Bad subterrâneo.
Muitos nematóides produzem um conjunto de feromônios chamados coletivamente de ascarosídeos, que podem ter efeitos variados em seus corpinhos compridos.
Alguns funcionam como uma “poção do amor” para atrair parceiros. Outros podem mudar o formato do corpo dos nematóides ou levá-los à chamada “fase dauer”, um período de hibernação que prolonga, em até 30 dias, a vida da espécie.
Isso não é exclusividade de minhocas e afins. Completamente alheios às intenções humanas, as toxinas de várias espécies de insetos, peixes e anfíbios induzem experiências psicodélicas similares às induzidas por plantas como o cipó amazônico usado no preparo do chá ayahuasca.
Um estudo recente buscou sistematizar a chamada “fauna psicodélica”: os animais mais comumente usados (e, por vezes, perigosamente abusados) por seres humanos. E ele mostra que algumas dessas trips não são exclusividade da nossa espécie: outros bichos já descobriram almoços que os deixam doidões.
Formigas
As formigas vermelhas de colheita (Pogonomyrmex californicus) eram usadas como alucinógenos em práticas religiosas e medicinais pelos povos nativos do sul e centro-sul da Califórnia.
Eles já foram usados para tratar de tudo: paralisia, problemas gastrointestinais, gripe, dor, artrite e distúrbios ginecológicos, e existem até testes clínicos que avaliam esses usos em laboratório. Em algumas culturas, as formigas eram consumidas vivas como eméticos ou aplicadas externamente.
Peixes
O fundo do mar também faria a alegria de Gus Fring. Vários peixes produzem toxinas que podem induzir alucinações e outros efeitos psicoativos. Uma dessas espécies é o Sarpa salpa, conhecido como o peixe do sonho ou (aí depende do seu estado de espírito) do pesadelo.
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Outro grupo de peixes alucinógenos é a família Tetraodontidae, que inclui os baiacus. A toxina letal desses animais desempenha um papel essencial na preparação do chamado “pó de zumbi”, usado ritualisticamente no Haiti. Os golfinhos também conhecem essa propriedade e aproveitam esses animais para… bem, chapar.
O tubarão da Groenlândia também é um célebre causador de bads trips. A carne do tubarão fermentada é um prato típico da Islândia, mas se consumida fresca, causa vômitos, alucinações e paralisia temporária. Tudo graças à toxina nervosa trimetilamina, um subproduto da oxidação da trimetilamina presente nos filés do peixão.
Sapos
Certas espécies de sapos e rãs produzem toxinas potentes que podem induzir efeitos psicoativos poderosos. Uma dessas espécies, Phyllomedusa bicolor, ou a rã gigante de folha, habita as terras brasileiras, nas árvores da Amazônia.
As secreções da pele da P. bicolor são ricas em peptídeos vasoativos e opioides, incluindo um composto chamado adenoregulina, que demonstrou atuar como um potente agonista do receptor mu-opioide.
Quando as secreções desse anfíbio são raspadas e misturadas com saliva para absorção bucal, elas podem causar uma série de sintomas físicos intensos, como pulso acelerado, vômitos, incontinência e um estado de apatia.
Além desses efeitos, altos níveis de aminas, como serotonina, histamina e tiramina, foram encontrados na pele desses anfíbios.
Esses mesmos compostos têm sido usados historicamente por culturas indígenas em contextos rituais. como uma forma de alcançar estados alterados de consciência.
O sapo do deserto de Sonora (Bufo alvarius) produz um veneno leitoso que contém o potente composto psicoativo 5-MeO-DMT. Frequentemente chamado de “molécula de Deus” e presente também na ayahuasca, o 5-MeO-DMT pode induzir experiências existenciais, com usuários descrevendo sensações de iluminação espiritual.
Embora o uso do veneno desse sapo remonte aos anos 1980, sua popularidade disparou nos últimos anos, impulsionada em parte por influência de celebridades e pela promoção da “trip do sapo” por influenciadores de bem-estar. Há até relatos de pessoas lambendo esses animais em parques e reservas naturais.
Por mais que os cientistas ainda não saibam se o sapo do deserto de Sonora foi seriamente afetado pelo comércio ilegal, especialistas temem que, quando a queda da população for documentada, já seja “tarde demais” para revertê-la.
Ao contrário de produtos pseudomedicinais (como o pó de chifre de rinoceronte cobiçado no leste da Ásia, que é um dos fatores por trás da extinção desses gigantes), o veneno do sapo contêm um psicodélico verdadeiro e realmente produz os efeitos alegados, o que torna mais difícil dissuadir as pessoas de usá-lo.
Existem poucos estudos formais sobre drogas derivadas de animais e seus efeitos. Muitos pesquisadores não sabem quais substâncias estão presentes nesses coqueteis tóxicos ou por que os bichinhos os produzem, mas a aposta mais óbvia é que eles têm função defensiva contra predadores.
Ou seja: mesmo que o DMT em si já tenha sido testado em ensaios clínicos mundo afora, os outros ingredientes excretados por anfíbios ainda são uma incógnita. Por isso, caso ainda não tenha ficado claro, fica a dica: não lamba sapos em casa. Nem em lugar nenhum.
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