Em sua 11ª edição, a Brazil Conference, conferência organizada por estudantes brasileiros nos Estados Unidos, vai repetindo a diversidade vista em anos anteriores. Falando sobre temas que vão de empreendedorismo e negócios a esportes e música, o primeiro dia de evento teve Jorge Paulo Lemann (3G), André Esteves (BTG), Armínio Fraga (Gávea), autoridades brasileiras, cacique Raoni, as medalhistas Flavia Saraiva e Daiane dos Santos, os apresentadores Ana Maria Braga e Rodrigo Faro e o músico Carlinhos Brown, entre outros nomes que passaram neste sábado (12) por auditórios da Universidade de Harvard.
Desta vez, contudo, o pacote de medidas do presidente Donald Trump, em sua segunda gestão na Casa Branca, se tornou um dos protagonistas do evento. De forma geral, a avaliação é negativa e a sensação é de incerteza quanto aos efeitos de um remédio que, neste momento, parece ser muito amargo.
“As coisas estão confusas demais para o meu gosto. Acho que é bom provocar um pouco de algum abalo, sacudir as estruturas, mas acredito que agora está agitado demais e ninguém sabe o que virá [ainda]”, disse Lemann, no início da tarde de sábado, em um bate-papo com o empresário, e também bilionário, Brad Jacobs, fundador de uma série de empresas entre as quais a United Rentals, maior companhia de locação de equipamentos pesados, como guindastes, do mundo.
Para Jacobs, o momento é interessante para os Estados Unidos e as medidas de Trump podem terminar “em grandes mudanças, algumas muito boas, outras muito ruins”, mas vai produzir “karma”. “Alguns gostam do que o presidente está fazendo, de sua visão de ‘América em primeiro lugar’, para tentar resolver o que ele acredita que são injustiças comerciais de outros países contra os Estados Unidos. Outros acreditam que talvez ele esteja errado”, afirmou. “Mas seu método, de fazer isso de forma violenta, meio desrespeitosa com o resto do mundo, trará consequências negativas.“
Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, o mundo de hoje é mais duro, com o retorno do Estado-nação e o fim do “soft power”, mesmo que temporariamente, americano. “Quando vejo o presidente dos Estados Unidos maltratando e humilhando Canadá e México, fico um pouco assustado”, afirmou. “Estou achando um horror o que está acontecendo nos Estados Unidos, do ponto de vista econômico, geopolítico e moral”, disse Esteves, presidente do conselho de administração do BTG, em painel no fim do dia.
A conversa entre o jornalista Guga Chacra e o analista político e professor de Relações Internacionais Oliver Stuenkel, na manhã de sábado, e no dia em que Trump excluiu celulares, computadores e chips de seu “tarifaço”, foi uma das mais disputadas pelos participantes da conferência. “A grande dificuldade para Lula não será lidar com Trump, mas com Xi Jinping”, disse Stuenkel, referindo-se ao risco de redirecionamento de produtos chineses para outros mercados.
Também no início da conferência, voltando aos problemas internos do país, o ex-presidente Michel Temer fez alertas sobre as divergências dentro do governo Lula e seus riscos para a governabilidade e a credibilidade da equipe atual. Temer ainda sugeriu uma solução “fácil” para a crise em torno da demarcação das terras indígenas — a saída está na Constituição — , e elogiou seu aliado e presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), bem como a Constituição e a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) frente à tentativa de golpe.
“Não há a menor possibilidade de violarmos os princípios democráticos em face não só da vontade do Legislativo, mas particularmente do Judiciário, no particular, do Supremo Tribunal Federal, que fez um esforço extraordinário para manter [a democracia] indene”, afirmou. Ao fim da conversa, brincou: é mais popular hoje, ex-presidente, do que quando esteve à frente da Presidência.
Em seu painel, o ministro Gilmar Mendes, do STF, também defendeu a Constituição e disse discordar da visão corrente de que a Corte extrapola suas funções. “Não concordo com essa análise de que temos pró-ativismo ou ativismo no STF. O problema está na incompreensão de nossas competências”, afirmou, acrescentando que a Constituição confere ao Supremo o poder de controlar ações que firam as leis previstas na Carta, mas também adotar medidas de proteção em situações que não estão previstas, como aconteceu na pandemia.
Vocal sobre o que defende como irregularidades cometidas por autoridades na Operação Lava-Jato e rival declarado do ex-juiz Sérgio Moro, a quem não poupou críticas e predicados negativos, Gilmar Mendes comparou certos diálogos entre membros da força-tarefa, divulgados pela Operação Spoofing, a conversas da organização criminosa PCC. E voltou a defender que seu colega Alexandre de Moraes não seja afastado das investigações sobre a tentativa de golpe em 2022.
Ainda sobre a tentativa de golpe, Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, disse que os fatos investigados deveriam chocar a todos e reafirmou sua posição contra a Lei da Anistia. “Foi uma investigação de situações que nos levariam a tempos sombrios que ninguém mais quer reviver. Havia um plano de assassinato do presidente da República, do vice-presidente da República e do presidente do tribunal eleitoral. Não é [investigação sobre] maguiagem de uma estátua. São planos de assassinato, ruptura da democracia, vandalismo, que trariam consequências inimagináveis”, afirmou.
Em outro campo de batalha, o cacique Raoni, apesar das mais de 90 décadas vividas, fez uma defesa eloquente dos povos indígenas e pediu que sociedade e governo prestem mais atenção à sua gente.
No fim do dia, Carlinhos Brown, com seu violão, trouxe algum conforto quando cantou “Velha Infância”, ao violão.
Neste domingo (13), a conferência continua no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês).
* A repórter viajou a convite da Brazil Conference
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