o longo dos 16 anos nos quais foi o principal criminoso dos sertões, Virgolino Ferreira da Silva acumulou muitos inimigos que o combateram com destemor e empenho. Para desgosto de vários deles, Lampião não veio a morrer pelas mãos de ninguém com esses atributos. Foi quase por acaso que o tenente João Bezerra liderou o ataque que matou o grupo de cangaceiros.
Bezerra não era considerado referência nem de coragem nem de honestidade, conforme afirma o historiador americano Billy Jaynes Chandler no livro Lampião, o rei dos cangaceiros (editora Paz e Terra, 1980). Na verdade, conforme o autor, ele era suspeito de colaboração com os cangaceiros, houvesse fundamento ou não na desconfiança.
As circunstâncias, porém, o levaram à posição de comandante da ofensiva que matou Lampião. Em abril de 1938, o bando de cangaceiros havia saqueado o povoado de Girau. Dono de um dos armazéns que foram alvo, Eloy Maurício possuía a influente família. Valendo-se de contatos eclesiásticos – seu parente José Maurício era bispo – fez a queixa chegar ao Palácio do Catete.
Eliminar semelhante sinal de atraso era ponto de honra para o presidente Getúlio Vargas. Os estados estavam sob governos de interventores nomeados pelo presidente-ditador. E a pressão foi intensa sobre Alagoas. O comandante da campanha contra o cangaço era José Lucena, que esteve à frente do ataque que matou José Ferreira, pai de Lampião, 17 anos antes.
Lucena deu ultimato a Bezerra: tinha 30 dias para dar cabo de Lampião ou sofreria as consequências de sua deslealdade em relação à Polícia, conforme conta Chandler.
O tenente deu sorte. Um aliado de Lampião ouviu de um membro do bando que o cangaceiro estava na região e avisou ao sargento. Que, por sua vez, comunicou ao tenente. A localização exata foi fornecida por Pedro de Cândido, um dos aliados em que Virgolino mais confiava na região, e que foi ameaçado de morte imediata se não cooperasse.
Pegaram o bando de surpresa, na fazenda Angicos, ao nascer do dia. O combate não durou mais de 20 minutos. Lampião morreu com tiro de rifle. Em 3 de agosto de 1938, o relato do soldado que matou Maria Bonita, dizendo que a degolou ainda com vida. O corpo foi deixado com pernas abertas e um pedaço de madeira introduzido na vagina. Bezerra saiu ferido.
Espetáculo grotesco
À morte dos cangaceiros seguiu-se rito macabro. Os 11 foram decapitados e as cabeças foram levadas para Piranhas, como troféus. Os corpos sem cabeça foram abandonados e atraíram curiosos. Quando os ossos haviam já sido limpos pelos urubus, foram levados pelas chuvas para o São Francisco.
As cabeças exibidas em Piranhas foram requisitadas pelas autoridades em Maceió. Chegaram já em decomposição avançada. Em exibição na capital alagoana, foi requisitada por vários centros de estudos, inclusive em Berlim. Acabaram indo ao Instituto Nina Rodrigues.
Na época, era moda o estudo do tipo físico em busca de alguma predisposição ao crime. Além disso, por muitos anos as cabeças foram atração no museu da instituição. Só em 1969 as cabeças foram enterradas no cemitério de Quintas, numa colina de Salvador.
13 curiosidades sobre Lampião
1. O governador Lampião
Talvez em certa bravata, Virgolino Ferreira da Silva dizia sonhar em ser governador de um novo estado sertanejo, formado com porções de Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
2. Homem de fé
Lampião era descrito como alguém profundamente religioso. Tinha respeito pelos padres, em particular Cícero Romão Batista. Rezava sempre ao meio-dia, relataram seus ex-colegas. Às sextas-feiras, praticava jejum. Na Semana Santa, não comia carne e suspendia as operações. Era uma religiosidade primitiva, mística, típica do catolicismo dos antigos sertões. Muito relacionada às forças sobrenaturais. O centro de sua fé era a crença no seu “corpo fechado”.
3. Lampião contra o progresso
Virgolino Ferreira da Silva procurava combater ao máximo os avanços nos transportes e comunicações. Sua atuação dependia do isolamento, das dificuldades de deslocamento e da demora para as informações circularem nos sertões. Por isso, incendiava estações de trem, cortava fios de telégrafo. E investia contra construções de estradas. Em agosto de 1929, a construção de estrada entre Juazeiro e Santo Antônio da Glória foi suspensa temporariamente depois de ameaças de Lampião. Ele dizia que cortaria a cabeça do oficial e os pés dos trabalhadores. Em outubro, ao saber da retomada da obra, eçle atacou o local e matou nove trabalhadores.
4. Virgolino, o parteiro
A presença de mulheres no cangaço trouxe como problema a ser administrado pelo bando a realização dos partos. O próprio Lampião realizava os procedimentos. Havia sido vaqueiro quando criança e usava o aprendizado adquirido ao ajudar os animais a dar à luz as crias. Pelas circunstâncias, as mulheres não recebiam cuidados adequados nem durante nem depois do parto. Muito menos antes. Eram acostumadas a condições hostis. Como viram acontecer com suas mães, nem recebiam nem esperavam cuidados médicos.
5. Expedita, a princesa do cangaço
Em 1932, nasceu Expedita, filha de Lampião e Maria Bonita. A menina foi entregue a um aliado de confiança de Lampião, em Sergipe, com a orientação de a mandarem para João Ferreira, único dos irmãos Ferreira a não entrar para o cangaço. O parentesco da menina era “segredo de Estado”. Após o parto, o destino a ser dado às crianças era outro problema a ser administrado no cangaço.
6. Quase cego de um olho
Lampião feriu gravemente o olho direito, em um galho ou espinho de árvore. Adquiriu um leucoma (opacidade branca), que se agravou com o passar dos anos, levando-o quase à cegueira total daquele olho. Apesar disso, a pontaria era certeira. Usava frequentemente óculos com lentes coloridas, tanto para esconder o defeito como devido a intolerância a luminosidade.
7. Como era Lampião
Na visita a Juazeiro do Norte, em 1926, repórter do jornal O Ceará descreveu Virgolino: magro, de estatura mediana, pele escura, cabelos fartos e pretos. Usava chapéu de feltro simples, sem os enfeites na aba virada para cima, usuais entre cangaceiros. Calçava alpargatas de couro, típicas de vaqueiros. Colocava lenço verde no pescoço, preso por anel de brilhante. Nos dedos, seis anéis de pedras preciosas – rubi, topázio, esmeralda e três brilhantes. Portava rifle, pistola e punhal de quase 40 centímetros de cumprimento.
8. Bebidas
Os cangaceiros consumiam álcool em grandes quantidades, sobretudo cachaça. Lampião preferia conhaque e não bebia muito.
9. Leitura
Lampião apreciava jornais, sobretudo quando falavam sobre ele, e revistas de Rio de Janeiro e São Paulo. Passava o tempo lendo ou ouvindo alguém ler para ele – provavelmente não tinha leitura fluente.
10. Perfumes
Os banhos eram escassos, sobretudo em épocas de seca. Por isso, usavam perfumes de forma abundante. A mistura da falta de banho, o perfume em excesso e a brilhantina com a qual untavam os cabelos davam cheiro característico que virou marca do cangaço. Há episódios nos quais davam banhos em cavalos e derramavam até nos animais os perfumes que roubavam.
11. Harém sertanejo
Em 15 de agosto de 1931, o Jornal de Alagoas publicou relato de um caixeiro-viajante segundo qual Lampião e seu bando mantinham espécie de harém, com 17 mulheres enfeitadas com jóias e vestidas com roupas finas. A história, contudo, não parece ter fundamento.
12. Poderes sobrenaturais
Um dos segredos do sucesso de Lampião era a capacidade de esconder seus rastros. Usavam vários estratagemas para disfarçar sinais de sua passagem. Apagavam pegadas, caminhavam para trás de forma a ocultar a direção. Para muitos soldados que o perseguiam, o cangaceiro parecia ter poderes sobrenaturais.
11. Harém sertanejo
Um dos maiores mistérios relacionados a Lampião era a fonte de suas munições. A origem do abastecimento nunca foi descoberta de forma a deixá-lo desprovido. Teria sido modo eficaz de combatê-lo. Sabe-se que a proteção de gente importante, entre fazendeiros, comerciantes e políticos, era indicativo dos caminhos da munição até ele.
Fontes: Lampião, o rei dos cangaceiros, de Billy Jaynes Chandler
Episódio 5 – A longevidade de Virgolino como maior bandido dos sertões se explica em grande parte por estratégias semelhantes às guerrilhas, mas desprovidas de caráter político.
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