No fim da tarde de ontem, o general Paulo Sérgio Nogueira, comandante do Exército, decidiu não punir o general Eduardo Pazuello por participar de um ato político com o presidente. Atividade política é proibida a militares por lei. O anúncio, feito calculadamente no final da tarde do primeiro dia de um feriado prolongado, causou surpresa, choque e uma imediata profusão de reuniões por Zoom, telefonemas e reavaliações do cenário por toda Brasília. Boa parte dos generais de quatro estrelas vinham comentando, nos bastidores, que alguma punição haveria. A conduta de Pazuello foi criticada pelo vice-presidente Hamilton Mourão e motivou a abertura de um inquérito, arquivado ontem. Para mostrar apoio a seu ex-ministro da Saúde, Bolsonaro nomeou Pazuello para um cargo no Planalto, o que foi considerado uma afronta por generais. Ao fim, venceu Bolsonaro. O presidente quebrou a espinha dorsal de disciplina e hierarquia na Força.
Foi por medo de uma nova crise que o Exército engoliu a impunidade de Pazuello. Embora defendessem a punição do ex-ministro indisciplinado, os 15 generais de quatro estrelas avaliaram que ela levaria à renúncia do comandante, pois Bolsonaro certamente a anularia. A despeito do apaziguamento, o Alto Comando passou a monitorar mais atentamente movimentações políticas na tropa. (Folha)
Porém… Pelo menos dois quatro estrelas da reserva, conhecidos por serem conservadores, se manifestaram. “Sou disciplinado, acredito na disciplina, fiz isso minha vida inteira”, afirmou Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo de Michel Temer. “Não vou criticar uma atitude do Comandante do Exército. Mas não vou aviltar meus valores morais para defender o indefensável.” Ex-candidato bolsonarista ao governo de Brasília, também falou Paulo Chagas. “Não tenho dúvida de que isso vai causar indisciplina dentro do Exército. Abre um precedente que vai ser explorado por aqueles que querem aparecer. A política está entrando no portão das Forças Armadas, a disciplina vai sair pela porta dos fundos.” (Globo)
Não vem sem alarme. A decisão acendeu o sinal amarelo no STF, que teme a politização da tropa. Para os integrantes do Supremo, o ministro da Defesa, Braga Netto, é um “novo Pazuello”, disposto a ceder às vontades de Bolsonaro a qualquer custo. (Estadão)
Políticos, parlamentares e autoridades de diversas correntes criticaram duramente nas redes sociais a capitulação do Exército. Somente os bolsonaristas louvaram a decisão. (Poder 360)
Merval Pereira: “A quebra da disciplina e hierarquia só aconteceu porque os militares estão convencidos de que apenas Bolsonaro pode derrotar o PT e Lula na eleição do ano que vem, e quiseram dar respaldo político a ele. Bolsonaro convenceu os militares, e o núcleo duro de seus seguidores, de que a volta do PT ao poder, que hoje as pesquisas de opinião detectam como provável, é um perigo comunista que tem que ser evitado. Por isso está criando um clima antecipadamente de possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas, para ter um pretexto para comandar um golpe caso seja derrotado por Lula. A decisão do Comandante do Exército representa um golpe de Bolsonaro. Não há mais dúvidas, agora, de que Bolsonaro age como age devido ao apoio do ‘seu’ Exército.” (Globo)
Marcelo Godoy: “Bolsonaro venceu a batalha, mas arrisca perder seu Exército. Brigar por Pazuello, que hoje não é capaz de pôr em forma dois recrutas num quartel, pode não ter sido a decisão mais apropriada. O presidente escandaliza os soldados profissionais que se mantêm em silêncio, mas que se manifestam dentro da cadeia de comando. Na quarta, um general ouvido pelo Estadão disse que quem conhece a história não repete o erro. Referia-se ao presidente João Goulart, que flertou com a anarquia militar. As ameaças a Bolsonaro, por enquanto, são veladas. Mas ele está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar. Da última vez, quem o fez, há 30 anos, acabou defenestrado. Quem pagará o preço da solução imposta por Bolsonaro? O Exército, que verá sua imparcialidade, isenção e neutralidade questionadas pelas forças políticas de oposição. E o País, que pode ser mergulhado em uma campanha eleitoral em 2022 em que militares da ativa se sentirão autorizados a intervir como militantes.” (Estadão)
Malu Gaspar: “Ao Brasil, que não espere do Exército nenhum esforço de proteção à ordem democrática ou ao estado de direito se, do outro lado, forçando os limites, estiver Jair Bolsonaro. Se não foi capaz de contê-lo nem para proteger um pilar básico da força, o respeito a hierarquia e aos códigos militares; se aceitou se humilhar diante do presidente num impasse em que tinha a seu favor uma regra cristalina e inequívoca, não há por que supor que o comandante terá força para fazê-lo quando estiver em jogo alguma questão politicamente difusa, do tipo que se justifica pelas narrativas delirantes de Bolsonaro.” (Globo)
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