A modernização da forma de exibir propagandas está em cada esquina de Fortaleza: os outdoors estáticos, de papel, aos poucos são substituídos por telas gigantes de LED, que piscam diversos anúncios por minuto. A luz forte, porém, tem incomodado motoristas e moradores de edifícios, que reclamam da “poluição visual” causada pelos painéis.
Apesar de regida por lei municipal específica, especialista ouvido pelo Diário do Nordeste aponta preocupação quanto à maneira como as telas têm sido inseridas na cidade, com impactos visuais, cognitivos e até de segurança.
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Há cerca de seis meses, um outdoor luminoso foi instalado em frente ao edifício onde a estudante Clarissa Sampaio, 36, mora, no bairro Salinas. Os efeitos das luzes que “batem no teto” dos andares mais altos, ela relata, incidem diretamente sobre o sono.
“A luz é forte a ponto de ficar bem nítida no teto do 18º andar. Incomoda muito, eu tenho a impressão que é um forte relâmpago e acordo assustada, até entender que é o outdoor. Os moradores já levaram a reclamação à prefeitura. Reduziram as luzes, mas aumentaram novamente”, relata.
A psicóloga July Anne Mota, 50, também destaca que o maior problema do objeto é a intensidade da luz que emite. “Quando o LED vem no verde e no vermelho, que entra no quarto, os moradores se assustam. É a claridade e a poluição visual que ficou pra gente”, lamenta.
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Forte luminosidade de painel na avenida Rogaciano Leite incomoda moradores em edifícios
Ismael Soares
Do outro lado da cidade, no Centro, um “telão” fixado no cruzamento entre as avenidas Domingos Olímpio e do Imperador sequestra a atenção de quem trafega. Uma moradora do bairro, que preferiu não ser identificada, aponta que o incômodo visual impacta a direção.
“Eu como passageira me incomodo, e como motorista é pior ainda. Mesmo durante o dia, o outdoor dói no olho. E a gente tem necessariamente que ficar olhando pra frente, por causa do semáforo”, pontua.
Riscos à atenção
O nível de luminosidade das telas e até as cores emitidas são o centro das queixas. Diego Ricca, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), observa que “o que é aceitável ao meio-dia pode ser extremamente ofuscante à noite”.
Pesquisador da área do design, tecnologia e cognição, Diego alerta sobre como esses “estímulos digitais” afetam a atenção no cotidiano. “Quando a atenção periférica é capturada por um estímulo animado, piscante, pode inibir a atenção focada, que é crucial pro trânsito, por exemplo”, inicia.
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Atenção de pedestres e motoristas pode ser prejudicada pela forte luminosidade dos painéis de LED
Ismael Soares
“Painéis publicitários animados, brilhantes, especialmente se mal posicionados, podem desviar a atenção num momento crítico, como a travessia de um pedestre ou a aproximação a um cruzamento. É algo sério, perigoso, que precisa ser olhado com atenção”, completa.
Outro aspecto negativo das grandes telas urbanas é a poluição visual – “e, pior, a sobrecarga atencional” que ela gera, como frisa o professor. “Vivemos hoje um momento de excesso de estímulos visuais, sonoros, digitais, permeado de telas em nosso cotidiano, e isso afeta diretamente a nossa qualidade de vida e a nossa saúde mental”, analisa.
Para o pesquisador, além da regulamentação sobre o nível de luminosidade – que deve se adaptar automaticamente à iluminação ambiente –, é preciso voltar a atenção às cores utilizadas nos anúncios. “Luzes verdes, amarelas ou vermelhas, principalmente piscantes, podem ser confundidas com os semáforos. Isso é um risco real”, alerta.
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Avenida Antônio Sales, em Fortaleza, tem diversos painéis de LED em toda a extensão
Ismael Soares
A prevenção de possíveis transtornos e a solução para os que já são ocasionados pelos outdoors de LED passam por alternativas “simples”, como descreve Diego:
- Regulamentar o nível de brilho e adaptá-lo, por meio de sensores, à luz ambiente;
- Proibir o uso de cores e efeitos que possam confundir com a sinalização viária;
- Regular o uso em áreas residenciais ou com grande concentração de pedestres, especialmente à noite;
- Criar dispositivos legais sobre design urbano, para prevenir a poluição visual.
“Sou um entusiasta do poder transformador da tecnologia. Quando bem aplicada, ela pode melhorar significativamente a qualidade de vida, a educação, a saúde mental e a interação nossa com os espaços urbanos. Contudo, pode se tornar uma fonte de esgotamento, distração e risco se não for pensada com responsabilidade e embasamento técnico.”
Fortaleza está se tornando um grande palco de telas, o que vai redesenhando a paisagem urbana, alterando como a gente percebe e interage com a cidade. O problema é que nem tudo que brilha é progresso, especialmente quando custa a própria saúde da população.
No dia 8 deste mês, começou a tramitar na Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei para modificar a legislação sobre propaganda e publicidade, instituindo novas regras para funcionamento de painéis luminosos.
Uma das propostas é que os outdoors eletrônicos funcionem com, no máximo, 10% da capacidade de iluminação entre 19h e 6h. O texto destaca os “impactos negativos da poluição luminosa”.
Empresas autuadas
O Diário do Nordeste questionou a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) e a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) sobre:
- Que critérios as empresas precisam seguir para instalar outdoors luminosos na cidade;
- Como funciona a fiscalização;
- Quantas denúncias e reclamações sobre os outdoors chegaram aos órgãos;
- Se empresas já foram notificadas ou autuadas por infrações nesse sentido.
Em nota, a Seuma informou que os painéis de LED “são regulamentados pelo Código da Cidade (Lei Complementar 270/2019)”, e que “as autorizações são concedidas de maneira virtual, autodeclaratória”.
A nota acrescenta que, em 2024, a Agefis realizou oito fiscalizações a partir de denúncias, que resultaram em duas notificações e três autuações de empresas responsáveis pelos dispositivos de LED.
Neste ano, até 28 de abril, “foram três demandas fiscalizadas, com duas notificações e um auto de infração lavrado”.
“A população pode acionar a fiscalização por meio de três canais: o aplicativo Fiscalize Fortaleza (disponível para Android e iOS), o site (denuncia.agefis.fortaleza.ce.gov.br) e o telefone 156”, finaliza a Seuma.
A reportagem contatou a Associação Brasileira de Out Of Home (ABOOH) – que reúne empresas de mídias externas, como os painéis de LED, incluindo algumas atuantes em Fortaleza – para saber se as prestadoras do serviço têm adotado medidas para reduzir os impactos desses outdoors na poluição visual e luminosa de cidades como Fortaleza.
Em resposta por e-mail, a ABOOH reforçou que o tipo de mídia “é um pilar essencial da comunicação publicitária no Brasil, especialmente nos centros urbanos, onde seu potencial de alcance é maximizado”. Segundo a associação, cerca de 89% da população brasileira são atingidos pelas publicidades.
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Com a chegada dos painéis digitais, o setor ganhou ainda mais sofisticação. Para garantir segurança e conforto visual, a ABOOH recomenda que os painéis luminosos, incluindo estudos internacionais e mundialmente aceitos, devem operar com sensores automáticos que ajustam dinamicamente o brilho conforme a luz ambiente. Imprescindível respeitar os limites encontrados nesse estudo que são voltados ao conforto do cidadão e de quem trafega em vias públicas”, acrescenta.
A ABOOH afirma que “atua há mais de um ano junto ao Congresso Nacional na busca por uma regulamentação federal”, cujo objetivo é “estabelecer parâmetros técnicos e jurídicos claros, alinhados a padrões internacionais, que promovam segurança jurídica para os associados e favoreçam uma expansão sustentável do setor”.
“A normatização visa harmonizar a presença da mídia OOH no ambiente urbano, promovendo uma ocupação organizada dos espaços públicos e reforçando a contribuição do setor para uma paisagem urbana segura, funcional e visualmente agradável”, finaliza a associação.
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