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Escritora cearense de 71 anos perde toda a produção literária em notebook furtado – Verso

Maria Ferreira Silva está num deserto. Aos 71 anos, a escritora cearense teve vários objetos furtados no último 22 de maio quando o apartamento onde mora, no bairro de Fátima, em Fortaleza, sofreu um arrombamento. Entre os objetos levados, está um notebook com toda a produção literária da artista, de livros publicados a trabalhos ainda por vir.

“Nunca me preocupei em salvar os textos na nuvem, não tenho muitos conhecimentos digitais. Agora estou desesperada porque minha vida literária está toda lá, nesse computador. Tudo, desde quando comecei”, relata, aos prantos.

No Boletim de Ocorrência registrado pela escritora, consta que o crime se enquadra como furto qualificado por arrombamento, e ocorreu após Maria Ferreira ir à academia. Conforme conta, um homem estava na saída da casa dela alegando estar no aguardo de alguém da loja vizinha ao prédio. Quinze minutos depois desse encontro, já na academia, ela recebeu a notícia por uma moradora do condomínio de que haviam entrado no apartamento.

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Junto ao notebook, duas televisões, um celular e outros objetos pessoais foram levados. Apesar das grandes perdas, nenhuma, segundo Maria, se compara a do computador portátil por motivos ligados à literatura. “Estou buscando todos os meios legais para resgatar o que foi levado com o sentimento de desânimo que recebi nas delegacias por onde andei. Foram unânimes em dizer: quase impossível, talvez o celular”, diz.

“Mesmo sabendo disso, não desisto porque tudo é importante, mas nada igual ao meu computador, onde está toda minha vida literária. Digo a todos: não há dinheiro que pague. Sem tentar corromper ninguém, estou propondo uma recompensa a quem tiver informação que leve a polícia a resgatá-lo”. O contato pode ser feito por meio das redes sociais. 

Legenda:
No texto que escreveu sobre o furto, Maria Ferreira enfatiza que a casa onde reside, embora pequena, tem como sustentação as “coisas de estimação” levadas

Foto:
Divulgação

No texto que escreveu sobre o ocorrido, ela enfatiza que a casa onde reside, embora pequena, tem como sustentação as “coisas de estimação” levadas. E que fugir de viver esse momento “é desconhecer que a vida, vez por outra, frustra nossos projetos”. “Estava concluindo meu terceiro projeto e escrevendo dois livros de contos, um infantil e um adulto”, dimensiona.

Carreira de escritora

Natural do distrito de Nova Betânia, no município de Farias Brito, interior do Ceará, Maria Ferreira Silva reside em Fortaleza há 42 anos e diz que a literatura a encontrou ainda na infância. Sempre gostou de escrever poesia nos mais diferentes trabalhos escolares, a ponto de, anos depois, tornar-se professora. Graduada em Ciências Biológicas, especializou-se no ofício de alfabetizar.

O primeiro livro lançado, “Terra de carimã”, foi de autoria compartilhada, entre ela e dezenas de estudantes. A obra proporcionou à educadora a possibilidade de enveredar pelos caminhos da produção literária, não sem antes confirmar a vocação para o magistério. “Fui uma professora feliz, minha sala de aula era meu universo particular”, gosta de sublinhar.

De lá para cá, ela lançou dois livros, publicados pela Artêra Editorial: “Quatro tempos e uma vida” (2021) e “Um rio e seus mistérios” (2025) – este com ressonância inclusive na Bienal Internacional do Livro do Ceará deste ano. Cada um passeia por diferentes perspectivas da trajetória humana de Maria, das alegrias da infância a vivências da fase adulta.

“Quatro tempos e uma vida” é autobiográfico, narrado sob a égide do conto. “Eis aqui uma sequência de acontecimentos que ficaram guardados na memória para não serem esquecidos, e que aqui são narrados cronologicamente”, anuncia o projeto na Apresentação. Maria também escreve: “O que é descrito sob a forma de contos mostra que essa menina teve a força de se opor e a capacidade de superar limitações”.

Um dos motivos para essa luta interna diz respeito às limitações físicas da escritora – Maria Ferreira foi acometida de poliomielite com apenas um ano e nove meses – e às tantas outras questões nascidas a partir dessa condição. Sobra nas páginas, contudo, uma magia inveterada, de quem presta atenção “no canto dos pássaros, no tum-tum da mão do pilão, da gritaria das crianças a brincar pelos terreiros”.

Entre palavras e bordados

“Um rio de sonhos e mistérios”, por sua vez, é antologia de poemas, crônicas, frases e pensamentos da artista, escrita durante um recente e desafiador momento na rotina. Para Maria, o desejo, com o livro, é expor os caprichos da vida e do coração “para fazer essa travessia de amor, dor e alegria”.

“Foi como desaguar por um rio. Penso que o mundo envolvente da poesia é a maneira mais leve de falar das coisas, do tempo, do lugar, da pluralidade e das representações. Enquanto experiência individual, é intimista. Na realidade, é uma oportunidade para conjugar com os sentimentos mais íntimos”.

Na imagem, varal de frases bordadas pela escritora Maria Ferreira Silva

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Varal de frases bordadas por Maria Ferreira Silva, entre palavras e a arte manual

Foto:
Arquivo pessoal

Entre os detalhes mais bonitos da obra está o fato de também contar com bordados feitos pela própria Maria. A arte manual a acompanha desde muito jovem, e foi ainda mais essencial quando ela precisou lidar com um acontecimento capaz de abalar várias estruturas internas. 

“É a representação mais pura de quem buscou, nos seus modos e nos momentos mais solitários e silenciosos, desencravar por uma linguagem ‘poética-artística’ para mostrar essa passagem e a arte de bordar, responsável por ornamentar algumas páginas”.

Seguir criando

Embora ainda sem o notebook em mãos, Maria Ferreira quer seguir criando – seja nas letras, seja na arte manual. Para se ter ideia, a cearense já fez cortinas, bolsas, panos de prato, flores de acrílico, entre outros objetos, como forma de alimentar a própria vocação criativa, mas principalmente lidar com questões internas.

Na imagem, escritora Maria Ferreira Silva

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Escritora não pretende ficar parada enquanto recorda da quantidade de estradas percorridas

Foto:
Arquivo pessoal

Com projetos em curso e muita vontade de continuar, a cearense que enfatiza medir 1,40 m, pesa 44 kg e calça número 32, tem história pelo caminho. E não pretende ficar parada enquanto recorda da quantidade de estradas percorridas – além de professora, foi diretora de escola e ganhou vários prêmios literários nas escolas por onde passou.

“Só tem uma coisa capaz de aliviar qualquer coisa em minha vida: escrever. Abracei as dificuldades para caminhar devagar, pensando que a inteligência não tem classe social. Não desisto por nada. Vou continuar”.

Escritora cearense de 71 anos perde toda a produção literária em notebook furtado – Verso
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