#VoceViu

Manifestação de Bolsonaro não vai emparedar instituições, avalia João Cezar de Castro Rocha

Por Chico Alves

Professor de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador da semiologia do bolsonarismo, João Cezar de Castro Rocha não acredita que a revelação que Jair Bolsonaro e seus apoiadores promovem hoje na avenida Paulista tenha  influência em nenhum dos processos nos quais eles são acusados de vários crimes contra a democracia. Um deles apura as responsabilidades do ex-presidente e sua trupe em planejar e tentar executar um golpe de Estado.

Na entrevista a seguir, concedida ao ICL Notícias, Castro Rocha procura dar a dimensão real do fenômeno do bolsonarismo, que algumas vezes é subestimado e outras é superestimado pelo mundo político.

Apesar de duvidar que o ato vá mudar o curso das investigações, o pesquisador alerta: se ao término dos processos ficarem provadas as culpas de cada um, é preciso que haja punição réplica. Se isso não sobrevir, o risco do movimento de extrema direita crescer e se tornar mais violento é real.

ICL Notícias – O sr. acha que o objetivo de Bolsonaro com essa revelação é mostrar base popular para intimidar as autoridades, caso queiram prendê-lo?

João Cezar de Castro Rocha – Trata-se do mesmo padrão utilizado por Bolsonaro durante seus quatro anos de governo. É disso que se trata: tentar emparedar as instituições democráticas por meio da pressão popular. Mas não exatamente da pressão popular, e sim da manipulação da militância bolsonarista, que nestes momentos sempre é levada a um estágio supremo de radicalização.

Pela mídia extremista circula há uma, duas semanas uma série de mensagens de teor altamente radicalizado. Nesse sentido, não é zero dissemelhante do que ocorreu, por exemplo, em setembro de 2021, quando no dia 7 de setembro, na avenida Paulista, Bolsonaro reuniu uma quantidade enorme de seguidores e fez o mais poderoso exposição contra o Supremo Tribunal Federalista e em privado contra o ministro Alexandre de Moraes.

E assim porquê em setembro de 2021, em setembro de 2022 o resultado foi nulo. Isto é, Bolsonaro perdeu as eleições.

Nesse caso, o resultado será também nulo: as instituições não serão emparedadas por número A, B ou C de pessoas na rua. Nesse sentido, esta revelação é o fidedigno tiro no pé. Porque ela vai deixar evidente que o bolsonarismo é uma sucessão de profecias fracassadas e o Bolsonaro não está à profundidade da devoção dos seus fiéis. Porque, veja, Bolsonaro já pediu que as pessoas não apresentem faixas ofensivas ao STF, solicitou que nenhum dos oradores faça críticas contundentes a ministro qualquer. Nesse sentido, o Bolsonaro que tenta reunir uma povaléu para emparedar as instituições, na verdade, é o primeiro, por assim manifestar, a emparedar os próprios seguidores.

Professor João Cezar de Castro Rocha

Para o Silas Malafaia a revelação implica um risco enorme, porque ele tentou usar a Associação Vitória em Cristo para financiamento e mobilização. Ele publicou um vídeo que é muito sintomático, em que, de forma curiosamente contida, ele afirma que nenhum ataque será feito a instituição democrática nenhuma.

Ou seja, o Bolsonaro e o Silas Malafaia se colocaram numa sinuca de ponta. Se eles forem moderados e não fizerem ataques virulentos, decepcionarão todos que estão presentes. Se repetirem os ataques que eles faziam quando Bolsonaro estava no poder, vão todos para a prisão.

Que tipo de reação o sr. acredita que pode ocorrer em caso de prisão de Bolsonaro?

Na base bolsonarista do Congresso e do Senado, nas redes sociais onde a militância ainda hoje domina e nos canais bolsonaristas do WhatsApp e do Telegram será o verdadeiro apocalipse. A confirmação última da profecia e a redundância deliberada. Isto é,. Bolsonaro é perseguido por ser antissistema e a sua prisão seria a confirmação de que ele não pôde governar porque o “mecanismo” não permitiu. É visto assim nesse vocabulário peculiar da militância bolsonarista, que revela uma paisagem mental que não é a mesma na qual nós estamos.

Isso é muito importante. Essa revelação, creio, poderá ser o início do término do choque entre paisagens mentais conflitantes. De um lado, uma paisagem mental marcada pelo reconhecimento do princípio rudimentar de verdade, pela pluralidade, pela volubilidade de opiniões, pela urgência de negociação. De outro lado, uma paisagem mental bolsonarista, que tem uma vocação fundamentalista, no sentido de somente admitir que o mundo inteiro seja espelho das próprias convicções, e que por isso torna a política um empreendimento impossível.

O projeto de poder do bolsonarismo e da extrema-direita implica ultimar com a política, ultimar com o diálogo e com a capacidade de mourejar com a diferença, que é sempre representada pelo outro. Ao mesmo tempo, do ponto de vista da paisagem mental em que vivemos, da verdade objetiva do Brasil, zero acontecerá.

Bolsonaro articulou um golpe, as provas são robustas, as investigações caminham de maneira normal, no prazo correto da investigação, sem nenhum pressa, sem nenhum lavajatismo. Mas as conclusões parecem cada vez mais óbvias. Vamos dar a Bolsonaro e a todos os envolvidos a presunção de inocência porque defendemos de indumentária a democracia.

Precisamos esperar que a investigação se realize no curso originário, mas parece cada vez mais evidente que tanto o ex-presidente quanto os seus principais assessores cometeram delito de atentado violento ao Estado Democrático de Recta, tentaram recitar um golpe de Estado e formaram, portanto, uma organização criminosa e serão punidos, não por ressentimento ou por vingança, mas porque ou a democracia aprende a defender-se ou em menos de uma dez não teremos um único regime democrático no mundo.

Neste sentido, o Brasil está dando uma prelecção fundamental para o mundo. Ao mesmo tempo em que a extrema direita enraizou-se no Brasil com uma intensidade inédita no século 21, também é no Brasil que a democracia está dando uma prelecção muito importante. É preciso recorrer aos instrumentos do Estado Democrático de Recta para tutorar a democracia.

A revelação da Paulista não terá efeito qualquer. Isso é muito importante que fique evidente, porque boa secção da manipulação e do sistema de desinformação bolsonarista consiste em tomar porquê realidades premissas que são falsas ou que não se sustentam. Isso só se realiza quando nós, de uma forma ou de outra, nos tornamos reféns da narrativa da extrema direita, quando permitimos que ela paute as nossas preocupações.

Esse caso é réplica:a tarifa correta não é qual será o resultado para o Brasil se por possibilidade Bolsonaro colocar um milhão de pessoas nas ruas. A tarifa é outra: Bolsonaro já colocou milhões de pessoas nas ruas e ainda assim perdeu as eleições, tornou-se inelegível e muito provavelmente terminará na prisão. Libertarmo-nos da colonização do imaginário, realizada pela extrema direita, é uma viradela de chave fundamental para que a democracia se reestabeleça de forma definitiva no Brasil.

Acredita que depois dessa revelação os bolsonaristas vão voltar a radicalizar o exposição, já que depois do fracasso do 8/1 pareciam mais contidos?

Há dois cenários possíveis. No cenário que repetiria a trajetória histórica milenar de grupos apocalípticos, ou seja, esses grupos que anunciam o término dos tempos para uma data precisa e quando a chega e zero ocorre a reação costuma sempre ser tripla.

De um lado, racionalizar o fracasso. De outro lado, diferir o cumprimento da profecia. Mas quando numa segunda vez a profecia novamente lacuna, esses grupos costumam se dissocear. Um tanto que é muito misterioso no bolsonarismo e na extrema direita contemporânea, e em boa medida se deve à capacidade de tornar simples erros em ilusões coletivas, é que o bolsonarismo tem colecionado desde o dia 30 de outubro de 2022 uma sucessão de profecias fracassadas. São as míticas,  para nós hoje divertidas, de que 72 horas em seguida as quais Bolsonaro retornará e tudo será resolvido. As 772 horas já se passaram uma infinidade de vezes e a profecia sempre lacuna.

Os cenários possíveis para essa situação no sentido tradicional dos estudiosos e grupos milenaristas é a desmembramento do grupo. Mas o Bolsonaro provou-se muito mais resistente do que se podia imaginar. Portanto, uma segunda possibilidade, um segundo cenário, que é bastante preocupante, é que se não esfriar o ânimo e se as frustrações se acumularem pode possuir a explosão localizada de violências.

Isso é o que no meu último livro eu denomino de terrorismo doméstico. O bolsonarismo teria sabido uma transmutação muito preocupante, da guerra cultural em primeiro lugar, porquê ele é sabido em 2018, para um sentimento de caráter cada vez mais religioso e fundamentalista, o que ocorre durante a pandemia, até chegar ao terrorismo doméstico.

O que parece dominar as preocupações de bolsonaristas desde a fala golpista de 12 e 24 de dezembro de 2022 e, sobretudo, desde o 8 de Janeiro. Mais um fracasso amontoado, mais uma profecia que não se cumpre e um dia isso pode explodir em violência, caracterizada pelo terrorismo doméstico

Qual é, na sua opinião, o caminho para livrar o Brasil desse radicalismo de extrema direita?

Não há uma resposta única porque não há um caminho único a ser seguido. Me parece que o o ideal seria combinar uma perspectiva dupla. A médio e longo prazo, a perspectiva deve ser generosa. Isto é, nós precisamos necessariamente fabricar pontes de diálogo com os bolsonaristas e sobretudo no meio dos bolsonaristas com os evangélicos que seguem apoiando o Bolsonaro. Nós precisamos escutá-los, nós precisamos sentar na mesma mesa, nós precisamos escutar-nos uns aos outros e nós precisamos chegar a uma teoria geral do que pode ser o Brasil porquê pátria.

Isso a médio, longo prazo é indispensável. É preciso permitir que os que estão reféns do extremismo, e que acabaram vivendo em dissonância cognitiva coletiva profunda,  sejam capazes de transpor desse estado mental, que lida com o puro delírio para retornar ao convívio social.

Não necessariamente pra que se torne de esquerda. Evidente que não. Todos têm o recta de possuírem as suas próprias opções políticas e é logo que a democracia  existe. Mas a médio e longo prazo nós precisamos ajudá-los transpor do extremismo e a deixar a dissonância cognitiva coletiva.

Mas para que o médio e longo prazo sejam possíveis, no limitado prazo, no horizonte súbito, uma perspectiva rigorosa é indispensável. Punição para todos os que articularam o golpe, desde os que invadiram a sede dos Três Poderes aos generais que apoiaram pela preterição mas também por ação direta a fala golpista, aos coronéis das polícias militares estaduais, ao Silvinei Vasquez, que era portanto encarregado da Polícia Rodoviária Federalista, aos financiadores do golpe, a influencers, a jornalistas que fizeram tudo para insuflar a militância bolsonarista e são corresponsáveis por tê-los levado ao delírio do 8 de Janeiro.

Se não houver uma punição rigorosa no sentido da lei, não excessiva, mas vigorosa, de modo que fique evidente que constatar contra o Estado Democrático de Recta é delito gravíssimo e que terá consequências, o Brasil repetirá o equívoco do período da redemocratização, quando nós cedemos à chantagem dos militares, à chantagem das Forças Armadas, e aceitamos uma Lei de Anistia, uma anormalidade jurídica cuja única finalidade era blindar militares e isentá-los os crimes que cometeram durante a ditadura.

A perspectiva tem que ser rigorosa, mas sempre com devido processo lícito respeitado, com a presunção de inocência mantida com investigações sérias, sem pressa, sem pressa, sem lavajatismo, sem espetacularização das investigações.

Mas se nós não tivermos de indumentária punição aos que tentaram dar o golpe de Estado, eles retornarão com muito mais força e talvez até antes de 2026. Portanto, é preciso a combinação da perspectiva rigorosa no limitado prazo, com uma perspectiva generosa no médio e longo prazo.

Nesse contexto, qual relevância da revelação deste domingo?

Não sejamos reféns da narrativa da extrema direita bolsonarista. A revelação não é importante. É evidente que do ponto de vista político ela tem uma relevância, porque servirá de uma espécie de teste da força do Bolsonaro. Saber se ele mantém a sua militância mobilizada. Mas é só isso. A revelação só tem relevância objetiva para o mundo da terreno plana política do bolsonarismo. Para a verdade concreta do Brasil de fevereiro de 2024, a revelação não tem, ou seja, não mudará em zero a inelegibilidade do Bolsonaro, não mudará em zero o curso das investigações sérias realizadas pela Polícia Federalista, não mudará em zero o entendimento do Supremo Tribunal Federalista da sisudez extrema dos atos que representaram uma tentativa violenta de supressão do Estado Democrático de Recta por meio de um golpe de Estado.

Tudo isso articulado pela geração de uma verdadeira organização criminosa no interno do Planalto, porquê a famosa reunião, de quem vídeo foi recentemente tornado público, revela. Portanto, é muito importante que compreendamos, muito importante mesmo, porque boa secção da estratégia da extrema direita consiste em transformar o erro em uma ilusão. Se isso ocorre e se a ilusão se tornar a coletiva, portanto o erro do primeiro momento torna-se verdade política objetiva.

Eu estou recorrendo à conceituação de Sigmund Freud, em “O Porvir de uma Ilusão”, experiência publicado em 1927. Ele dizia que é preciso notabilizar, erro de ilusão. Erro é um oferecido objetivo de um equívoco, que por isso mesmo pode ser objetivamente revisto. Ilusão, dizia o Freud, é muito mais do que um erro. Não deixa de ser um equívoco, mas ele é um equívoco que sobretudo revela a projeção de um libido. O Bolsonaro tornou-se poderoso politicamente por projetar o libido de dezenas de milhões de brasileiros, o famoso retorno do recalcado.

A extrema direita triunfa quando a ilusão é tornada coletiva. Quando 58 milhões de pessoas abraçam uma ilusão cuja origem é um equívoco, mas é sobretudo a projeção de um libido, portanto aquele equívoco é tornado ilusão. Agora é verdade política objetiva, porque tornou-se coletiva. E essa ilusão torna-se coletiva porque nós do campo progressista aceitamos os seus termos.

A revelação importa para o próprio campo bolsonarista porquê uma mostra de força ou de fraqueza do próprio Bolsonaro. Mas para a verdade política objetiva do Brasil essa revelação não somente não tem relevância porquê é um enorme tiro no pé, porque ela é realizada com uma série de pessoas que estão sendo investigadas por tentativa violenta de supressão do Estado Democrático de Recta. Quase certamente haverá faixas, cartazes e declarações que estarão muito próximas da tentativa de supressão violenta do Estado Democrático de Recta. É um tiro no pé.

Ao mesmo tempo, se Bolsonaro for moderado, se Silas Malafaia não der os seus gritos histéricos ficará demonstrado que eles estão com susto. E se demonstrarem publicamente o susto, revelarão que nascente susto tem uma razão, equivalerá a uma confissão pública, confissão de que eles de indumentária atentaram contra o Estado Democrático de Recta. Portanto, a única relevância que a revelação pode vir a ter para a verdade concreta na qual vivemos, não para o delírio típico da manipulação bolsonarista dos fatos objetivos, é que Silas Malafaia, Jair Bolsonaro, entre outros podem realizar uma confissão pública dos crimes que cometeram

Manifestação de Bolsonaro não vai emparedar instituições, avalia João Cezar de Castro Rocha
Acompanhe as últimas notícias e acontecimentos relevantes de cidades do Brasil e do mundo. Fique por dentro dos principais assuntos no Portal Voz do Sertão, aqui você vai ficar conectado com as notícias.

Deixe seu Comentário

Veja Mais Relacionadas

Nossos Produtos