Hoje publicamos no portal ICL Notícias uma trova de Cecília Meireles, nesta seção que resgata textos, imagens e sons que façam o leitor dar uma pausa na marcha imediata e angustiante dos fatos para refletir com autores geniais do Brasil e de outros países.
Cecília nasceu em 1901 no Rio de Janeiro e viveu até os 63 anos. Ela disse em sua última entrevista – ao jornalista Pedro Bloch, publicada em maio de 1964 na revista Manchete – que seu vício terrível era gostar de gente.
Teve sua puerícia marcada por perdas profundas. Seu pai e sua mãe morreram quando ela ainda era moçoilo. Morte prematura também tiveram seus irmãos Carlos, Vítor e Carmen. Cecília foi criada por sua avó Maria Jacinta Benevides, açoriana, personagem recorrente em sua obra.
Sua maior tragédia ainda estaria por vir: o suicídio de seu marido, o ilustrador português Fernando Correia Dias, roupa que transformaria a visão de mundo da poeta. Correia Dias suicidou-se em mansão, em 1935, enquanto as filhas se preparavam para os festejos do Dia da Bandeira.
“Há muitas mortes por detrás dessa morte. E não foi exclusivamente um suicídio: foi também um homicídio. Posso eu viver muito tempo; pode minha existência tomar os mais inesperados rumos – mas essa noção da inutilidade humana; esta indiferença pela esperança, levante desapego da lógica farão de mim cada vez mais uma pessoa sem raízes na terreno, prescindindo de tudo e à mercê dos casos que a queiram transportar”, escreveu a poeta a Diogo de Macedo, colega português. (Epístola publicada pela revista Terceira Margem, Porto, Portugal, 1998).
Foi poeta, jornalista, historiógrafo, escreveu para crianças, foi professora. Também esteve engajada na resguardo de uma instrução pública, laica e de sobranceiro nível uma vez que caminho para diminuir as desigualdades sociais do país.
O poema Poema VI é do livro Cânticos (1927), publicado quando Cecília tinha 26 anos.

Órfã aos 3 anos e meio, Cecília Meireles perdeu também os irmãos e voltou ao tema da morte muitas vezes em sua obra
Poema VI (Cecília Meireles)
Tu tens um temor: rematar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no paixão.
Na tristeza.
Na incerteza.
No libido.
Que te renovas todo dia.
No paixão.
Na tristeza
Na incerteza.
No libido.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres temor de morrer.
E portanto serás eterno.
Não ames uma vez que os homens amam.
Não ames com paixão.
Patroa sem paixão.
Patroa sem querer.
Patroa sem sentir.
Patroa uma vez que se fosses outro.
Uma vez que se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que governanta, em ti,
Que não te inquiete
Se o paixão leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a qualquer direcção.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo…
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê exclusivamente uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua repúdio!
Sem orgulho da tua repúdio!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes permanecer de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos…
Enganados…
No momento da tua repúdio
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor…
… E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.
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