No primeiro mês de depoimentos, a CPI da Covid no Senado ouviu relatos de que houve uma tentativa de mudar a bula da cloroquina para incluir a indicação do seu uso no tratamento contra Covid-19 mesmo sem ter eficácia e que a proposta de vacina da farmacêutica Pfizer ficou dois meses sem resposta do governo Bolsonaro. Depoentes também contaram sobre a demora do governo na atuação da crise em Manaus.
Em funcionamento desde abril, a comissão parlamentar de inquérito tem o objetivo de investigar a atuação do Executivo no enfrentamento da pandemia, além do uso de recursos federais pelos estados e municípios.
Os depoimentos até agora apontaram que:
- O governo Bolsonaro tem um suposto “aconselhamento paralelo” na gestão da pandemia e que Carlos Bolsonaro, vereador do Rio e filho do presidente, participava de reuniões;
- Houve uma tentativa de mudar a bula da cloroquina, medicamento sem eficácia contra a Covid, mas defendido pelo presidente;
- Propostas da Pfizer de venda de vacina a governo federal ficaram meses sem resposta;
- Ofertas da Coronavac foram recusadas pelo governo. Quando intenção de compra ia ser anunciada, negociações pararam após críticas de Bolsonaro;
- O Ministério da Saúde soube no dia 7 de janeiro sobre a falta de oxigênio no Amazonas, antes do que havia sido informado pela pasta;
- O governo federal chegou a discutir, mas descartou uma intervenção federal na saúde no Amazonas.
Foram ouvidos pela CPI os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich; o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga; o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres; o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten; e o gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo.
Também depuseram os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde). Senadores apontaram contradições no depoimentos deles e os acusaram de mentir à CPI. Por essa razão, foi aprovada a reconvocação de Pazuello. Queiroga também será ouvido novamente.
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Senadores ouviram ainda Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, e Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan.
Confira os principais pontos debatidos na CPI:
Cloroquina
O ex-ministro Mandetta contou sobre uma reunião em que se discutiu uma minuta de decreto para mudar a bula da cloroquina a fim de prever o seu uso no combate à Covid.
A reunião foi confirmada pelo diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. Ele disse que, de imediato, reagiu à proposta de alterar a bula afirmando que não seria possível.
O ex-ministro Nelson Teich também foi ouvido. Ele contou que decidiu deixar o cargo justamente por ter se sentido pressionado por Bolsonaro a promover o uso da cloroquina.
O atual ministro da pasta, Marcelo Queiroga, evitou falar sobre a cloroquina, o que irritou senadores, que avaliam chamá-lo novamente.
Ao contrário de seus antecessores, Pazuello negou que tenha sofrido pressão de Bolsonaro pelo uso de cloroquina.
Ele também teve que explicar a plataforma do governo Tratecov, criada para prescrever o chamado “tratamento precoce”, com o uso de cloroquina. A estratégia é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, mas não tem eficácia contra a Covid, de acordo com a ciência.
Pazuello disse que o site ainda era um protótipo e que um hacker havia roubado o programa e colocado uma versão incompleta no ar. Na época, porém, o lançamento chegou a ser anunciado pelo governo. Dias depois, a plataforma foi tirada do ar.
No entanto, a secretária Mayra Pinheiro contradisse o ministro e disse que o que tinha ocorrido foi uma “extração indevida de dados” e não um hackeamento. Afirmou ainda que, ao contrário do que Pazuello afirmara, não houve alteração na plataforma. Ela não soube, porém, explicar por que o aplicativo, então, não foi recolocado no ar já que seria importante.
Em seu depoimento, o ex-chanceler Ernesto Araújo confirmou ter mobilizado o seu ministério para a aquisição de cloroquina no exterior.
Vacina da Pfizer
O ex-secretário Fabio Wajngarten disse que uma carta da Pfizer questionando o governo brasileiro sobre o interesse na aquisição de vacinas ficou dois meses sem resposta.
Carlos Murillo, da Pfizer, confirmou o envio da carta e relatou ainda que a farmacêutica tentou por seis vezes, sem sucesso, vender o imunizante ao governo brasileiro.
Segundo ele, se a primeira oferta, feita em agosto do ano passado, tivesse sido aceita, 18,5 milhões de doses poderiam ter sido, em tese, entregues até o 1º trimestre deste ano.
Pazuello contestou essa informação e disse que o governo manteve contato com a farmacêutica para negociar as cláusulas do contrato, consideradas abusivas pelo Planalto. O ex-ministro alegou que a negociação só pôde avançar após uma mudança na legislação acerca da isenção de responsabilidade em caso de efeitos colaterais.
Vacina da Coronavac
Pazuello negou ter recebido ordem do presidente Jair Bolsonaro para suspender a aquisição da vacina Coronavac, apesar das declarações públicas do próprio presidente de que não compraria o imunizante desenvolvido pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista, em parceria com a China.
Dimas Covas, no entanto, afirmou aos senadores que, sim, as negociações sobre a vacina foram interrompidas após as falas de Bolsonaro.
Ernesto Araújo, por sua vez, negou ter mantido uma atitude hostil em relação à China enquanto esteve à frente da pasta e que, por isso, não viu o atraso no envio de insumos para vacinas como uma retaliação do país asiático.
Crise de oxigênio em Manaus
Pazuello disse que foi informado pelas autoridades do Amazonas no dia 10 de janeiro sobre a iminente falta de oxigênio hospitalar no estado. Ele atribuiu a “erro de um servidor” do ministério a informação de que a pasta soubera no dia 8.
O ex-ministro foi alertado por senadores de que, em depoimento à Polícia Federal, o secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, afirmou ter avisado Pazuello da falta de oxigênio no dia 7.
Pazuello confirmou que conversou com o secretário nesse dia, mas que ele não havia mencionado o colapso no fornecimento de oxigênio.
‘Aconselhamento paralelo’
Mandetta relatou que o governo federal recebia um “assessoramento paralelo” ao Ministério da Saúde no combate à pandemia. Segundo ele, as orientações desse gabinete extraoficial iam na contramão do que a sua pasta, responsável pela área, defendia em relação às regras sanitárias, como o distanciamento social.
O ex-secretário Fabio Wajngarten contou que tomou a iniciativa de procurar a Pfizer após saber que a proposta da farmacêutica havia sido ignorada pelo governo brasileiro. Ele chegou a participar de reuniões com representantes da empresa para tratar do assunto.
Para o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), a atuação de Wajngarten representa a “prova da existência” de um grupo de pessoas de fora do Ministério da Saúde atuando para assessorar Bolsonaro.
À CPI, o representante da Pfizer, Carlos Murillo, confirmou, por exemplo, que Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente que é vereador da cidade do Rio de Janeiro, chegou a participar de uma reunião com a sua equipe para tratar da compra de vacinas.
Mandetta também disse que viu diversas vezes Carlos Bolsonaro participando e fazendo anotações em reuniões ministeriais.
Pazuello, porém, negou a existência de qualquer “gabinete paralelo” e disse que, na sua gestão, as decisões eram todas tomadas no âmbito da sua pasta. Também disse que não havia participação dos filhos de Bolsonaro.
Próximas etapas
Na semana que vem, a CPI tem um depoimento marcado:
- Terça-feira (1º/6): Nise Yamaguchi, médica
A médica oncologista é apontada por depoentes como integrante do suposto gabinete paralelo que aconselhava o presidente Bolsonaro na gestão da pandemia. Segundo relatos, ela foi uma das defensoras da mudança na bula da cloroquina para prever o seu uso para tratar pacientes de Covid.
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