Começou, na última terça-feira (6), o ano legislativo para os vereadores de São Paulo. Faltou cadeira no oitavo caminhar da Câmara Municipal, na Sala Tiradentes, com capacidade para 70 pessoas. Dezenas de pessoas ficaram em pé para seguir a reunião do Escola de Líderes, na qual o presidente da Moradia, Milton Leite (União), determinaria a agenda dos parlamentares para as próximas semanas.
O que a plateia do Escola de Líderes queria saber era a posição de Leite sobre a CPI das ONGs, que investigará o padre Julio Lancellotti e que monopolizou o debate durante mais de uma hora.
Posteriormente tratarem da investigação do clérigo, o presidente da Câmara informou rapidamente, quase desapercebido, que a Percentagem Peculiar de Estudos Relativos ao Processo de Privatização da Companhia de Saneamento Indispensável do Estado de São Paulo (Sabesp), instalada no final de outubro de 2023 na Moradia, foi prorrogada por mais 60 dias e deve entregar seu relatório final até abril deste ano.
Foi o único momento em que a privatização da Sabesp foi tratada. Para a secção da Câmara Municipal favorável à venda, tratar do tema em um ano eleitoral é indigesto, pois significa explicar à sua base que concordou em entregar à iniciativa privada o fornecimento de chuva e a manutenção do saneamento imprescindível na cidade.
“O LINDÃO”
Avante do processo está Milton Leite, que já anunciou que não será candidato à reeleição em 2024, posteriormente sete mandatos porquê vereador. O presidente da Câmara pretende transpor do holofote e trabalhar nos bastidores, porquê o principal articulador político do União Brasil em São Paulo. Para isso, quer restaurar o prestígio que acumulava no governo municipal e estadual.
Desde que chegou na Câmara Municipal, o tema sobre a venda do controle acionário da Sabesp à iniciativa privada foi manipulado por Leite com fins políticos. O projeto é uma promessa de campanha do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas esbarra na cláusula antiprivatização, prevista no contrato da Sabesp com alguns municípios e que exige a aprovação de legislações específicas dos vereadores dessas cidades.
A Sabesp mantém contrato com 375 municípios, dos 645 do estado de São Paulo. A negociação com a maioria deles deve ser tranquila. Porém, a capital paulista terá um papel decisivo no porvir da privatização da empresa.
Isso porque a cidade de São Paulo é responsável por 45% do faturamento da Sabesp e, se não houver contrato com o município, a chance de uma empresa comprar o controle acionário da estatal reduz drasticamente.
Em São Paulo, o humor de Milton Leite tem variado em relação ao tema. Em 2023, o parlamentar, que controla a maioria dos vereadores da Câmara, mostrava pouca disposição em colaborar com a pressa de Tarcísio de Freitas para privatizar a Sabesp.
Em setembro de 2023, durante evento da TV Cultura, Leite deu sinais de que colocaria barreiras para que a privatização ocorresse e lembrou da venda da Empresa Metropolitana de Águas e Pujança (Emae), de quem leilão está previsto para o primeiro semestre deste ano.
“A gente está vendendo a Emae para uma empresa. E estamos vendendo a Sabesp, pelo menos pelo que consigo entender, para uma outra empresa. Veja o antagonismo que nós temos”, disse Leite, que complementou: “o setor empresarial vai permanecer maluco com essa situação. Nós não estamos jogando chuva no chope deles, mas nós não vamos furar mão dos direitos da cidade de São Paulo”.
A acidez com o governo paulista tinha motivação conhecida e alardeada nos bastidores da política paulista. Nas eleições para o governo de São Paulo, em 2022, Leite apoiou o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que não conseguiu sequer chegar ao segundo vez, disputado por Freitas e Fernando Haddad (PT).
Vencedor, Tarcísio de Freitas montou sua equipe e levou Gilberto Kassab (PSD) para chefiar seu governo. Leite, que era influente nas gestões de Garcia e do ex-governador João Doria (PSDB), perdeu espaço no Palácio dos Bandeirantes e deixou de controlar a pasta que há anos pertence ao seu grupo político, Logística e Transportes.
A vaga de privatizações em São Paulo é uma aposta de Tarcísio de Freitas para deleitar o votante órfão do PSDB, mas avesso à truculência do bolsonarismo, início político do governador paulista. De olho na reeleição em 2026, o atual mandatário do estado tem irritado Jair Bolsonaro com a flexibilidade ideológica de seu gabinete, controlado por Kassab.
Obrigado com a perda de espaço, o presidente da Câmara elegeu o projeto da Sabesp para pressionar Freitas. Sem um movimento de Leite, o contrato de privatização da empresa de saneamento pode não ser levado ao plenário e há chances do governador ver naufragar sua sede, principalmente se o deputado federalista Guilherme Boulos (PSOL) lucrar a eleição e passar a governar a cidade de São Paulo. O parlamentar já se posicionou contrário à venda da Sabesp.
Posteriormente meses vendo a privatização ser questionada pelo presidente da Câmara dos Vereadores, o governador resolveu aproximar-se de Leite. No dia 17 de janeiro deste ano, Leite foi convidado por Freitas para um evento que marcava a entrega da primeira temporada de implantação da Usina Fotovoltaica Flutuante Araucária, na Vila Emir, bairro da capital paulista. O vereador foi, mas quis impressionar e levou apoiadores que gritaram seu nome diversas vezes.
Freitas não perdeu a oportunidade de reportar o mais novo coligado. “Que o Milton é querido, tudo muito, a gente já sabia. Agora, lindão? Mas é o seguinte: eu estava olhando melhor, Milton. Se é para lucrar o coração do Miltão, é lindão mesmo”, disse o governador. “Vai ficando simpático ao longo do tempo”, encerrou.
Ao Brasil de Indumento, no dia 30 de janeiro deste ano, Milton Leite já dava sinais de aproximação com o Palácio dos Bandeirantes. O vereador afirmou que “as tratativas sobre a verosímil privatização da Sabesp ainda estão acontecendo na Câmara” e que “vários pontos estão sendo discutidos com o governo do Estado, que tem se mostrado sensível”.
Ainda na entrevista, Leite deixou um cabrão na sala do governador, os mananciais paulistanos. “Existem 46 núcleos na zona sul da cidade de São Paulo que demandam investimentos, são investimentos da ordem de mais de R$ 25 bilhões e a secretária [de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística] Natália Resende está sendo sensível em compreender que nestas regiões aflui esgoto para dentro do resultado principal que é a chuva. Nós temos uma cidade para discutir dentro da zona sul e não tem sentido a Prefeitura de São Paulo investir lá para dar chuva para a Sabesp vender e ainda não ter a sua remuneração devida. Isso tem que ser mais discutido pela Câmara”.
Dois dias depois, no entanto, Leite fez seu primeiro compromisso público com Freitas sobre a crítica do projeto pela Câmara Municipal, em entrevista à rádio CBN. “O governo do Estado tem sido sensível com a Câmara e com o Executivo na tratativa dos pontos que estão em discussão. [A conversa] Está indo muito muito. Há um diálogo muito profundo já. Nesse semestre é verosímil [votar a privatização na Casa], desde que se conclua as tratativas com o Executivo e com a Câmara.”
ELEIÇÕES 2024
Em São Paulo, Leite está de olho na vaga de vice de Ricardo Nunes. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu concordar o atual prefeito no pleito eleitoral e deve ter prioridade na indicação do nome que ocupará essa posição.
Milton Leite sabe que o nome de Bolsonaro terá prioridade, mas trabalha para prometer espaço na campanha e, em caso de vitória, secretarias para o União Brasil. Na manga, o presidente da Câmara Municipal manipula o deputado federalista Kim Kataguiri (União Brasil), seu correligionário que sonha em ser candidato a prefeito.
Perder o escora do União Brasil, que com sete vereadores tem a terceira maior bancada da Câmara Municipal, seria uma tragédia para Nunes. Principalmente se Leite determinar concordar as candidaturas de Boulos ou da deputada federalista Tabata Amaral (PSB), que vive impasse na escolha de seu vice, já que o apresentador José Luis Datenta, predilecto ao incumbência, ainda não respondeu se topará integrar a placa.
IMPASSES
Conturbado com o clima eleitoral que afeta a cidade desde 2023, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) evita polêmicas. Enquanto tenta tirar a vantagem de Boulos nas pesquisas eleitorais, é um túmulo sobre o tema. Quando indagado sobre sua posição a saudação da privatização da Sabesp, evita o tema e foge das perguntas.
Em 16 de agosto de 2023, em sigilo e com as portas do Palácio dos Bandeirantes fechadas, Nunes assinou a adesão de São Paulo à Unidade Regional de Serviço de Aprovisionamento de Chuva Potável e Esgotamento Sanitário (Urae) 1.
Para a vereadora Luana Alves (PSOL), o prefeito já escolheu seu lado. “O silêncio do Ricardo Nunes revela que existe um contrato político do Tarcísio que passa por São Paulo. Na prática, esse silêncio é pior do que parece, ele sabe, assim porquê toda a Câmara Municipal, o quanto a privatização da Sabesp é ruim para a cidade”.
Em 2021, o ex-governador João Doria criou quatro unidades da Urae para adequar o estado ao marco regulatório do saneamento. Com a medida, o governo paulista pretendia produzir um recomendação único, que reunisse os 375 municípios atendidos pela Sabesp, sem que a empresa necessitasse atender necessidades específicas de cada um.
Na prática, Nunes pode ter entregue a autonomia de São Paulo na relação com a Sabesp em troca do escora de Freitas para sua reeleição em 2024. Desde portanto, o prefeito da capital paulista não falou mais sobre o tema.
Desde que as Uraes foram criadas, Nunes e seu predecessor, o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), não quiseram aderir ao recomendação criado por Doria. O prazo de assinatura caducou e Freitas teve que publicar um novo decreto, alterando a data de vencimento para que o prefeito de São Paulo pudesse assinar o documento. A manobra do governador chamou a atenção do Tribunal de Contas do Município (TCM), que instalou um grupo de estudos sobre a privatização da Sabesp.
No recomendação da Urae, onde as decisões sobre a relação da Sabesp com os municípios devem ser tomadas, o governo paulista terá 37% dos votos. Outros 6% serão distribuídos para representantes da sociedade social. Os demais, 57%, serão divididos entre as 365 cidades signatárias. São Paulo será detentora de 19%, a maior fatia.
A CÂMARA E AS CONDIÇÕES
Quando o contrato for apresentado pelo recomendação da Urae, caberá às câmaras municipais analisarem seu teor e aprovarem ou não. Responsável por 45% do faturamento da Sabesp, São Paulo é peça-chave no processo e, por isso, sempre teve condições especiais.
No atual contrato com a Sabesp, está previsto que o município recebe da empresa 7,5% dos seus lucros, que são destinados ao Fundo Municipal de Saneamento Ambiental, governado pela Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). Em 2022, a arrecadação desse percentual representou uma ingresso de R$ 640 milhões nos cofres da cidade.
Outros 13% do lucro da Sabesp são devolvidos para São Paulo para investimento em obras de infraestrutura. Portanto, no contrato atual, a capital paulista fica com 20,5% do lucro da empresa.
A preocupação da oposição na Câmara é que o município perda seus benefícios e a população arque com os prejuízos, com um eventual aumento na sua conta.
“Não tem garantia de melhoria do serviço e nem de melhoria na tarifa, mas temos certeza do prejuízo financeiro, já que a Sabesp deixaria de repassar o valor do faturamento para a operação da cidade”, explica Luana Alves.
Para além dos repasses financeiros, Alves lembra que outros pontos precisam ser discutidos com a empresa que eventualmente conseguir o controle acionário da Sabesp.
“Existe uma dívida da Sabesp com São Paulo de cobranças feitas erroneamente. Tem pontos de atendimento. Nós temos uma tarifa vulnerável de R$ 7 e social de R$ 14, que precisariam ser mantidas”, finaliza a vereadora.
Em entrevista ao Brasil de Indumento, o secretário de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo, Fernando Chucre, garantiu que os repasses serão mantidos. “Isso foi uma premissa que o prefeito estabeleceu, desde a assinatura da Urae. Esse documento estabelece que a exigência de São Paulo está vinculada à manutenção de no mínimo, no mínimo, todas as condições vigentes no contrato atual. Ali tem uma cláusula específica fazendo menção à questão dos 7,5% e dos 13%. Isso tá muito evidente e foi uma preocupação do prefeito desde o início e tenho segurança que será mantido.”
Chucre explicou que nas negociações entre a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual, ficou contratado que “haverá uma redução da tarifa social, esse é o compromisso. Podemos prometer à vereadora (Luana Alves) que em todas as tratativas que fizemos com o estado isso foi falado. Estamos preocupados com isso.”
A preocupação de Amauri Pollachi, profissional em saneamento e mentor do Observatório Pátrio dos Direitos à Chuva e ao Saneamento (Ondas), divide sua preocupação em dois pontos.
“A privatização da Sabesp é um risco muito grande para a população paulista, os municípios e para a economia do estado. Com a privatização será quebrado um estabilidade entre a função da empresa e a empresarial, de geração de lucros para a remuneração de acionistas”, conta Pollachi.
“A Sabesp consegue investir em comunidade de baixa renda, onde não há nenhum retorno financeiro, em comunidades com poucas moradias e que vão remunerar um preço muito grave na tarifa. Logo, hoje é verosímil investir valores onde não haverá retorno financeiro”, finaliza o profissional em saneamento.
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