Por Chico Alves / Ilustrações: Camila Pizzolotto
O verão de 2014 foi bastante quente, mas a temperatura no barracão da Mocidade Independente de Padre Miguel subiu ainda mais na noite de terça-feira, dia 4 de fevereiro, quando o violador Rogério de Andrade entrou na sala da presidência. O sobrinho do lendário bicheiro Castor de Andrade surgiu sem avisar na reunião de diretoria para dar um ultimato. Depois de criticar a gestão de Paulo Vianna, que estava dez anos primeiro da escola, anunciou, olho no olho: “Você agora vai transpor e nunca mais concorrer ao posto.” Os presentes à reunião, alguns armados, observaram calados Vianna concordar. Estava selada a volta ao poder na virente e branco de Padre Miguel de um membro da família Andrade, 16 anos posteriormente a morte de Castor.
No dia seguinte, Vianna divulgou epístola de repúdio que surpreendeu o mundo do samba. Mesmo depois de ser denunciado pelo Ministério Público por falsificar centenas de assinaturas de uma plenário, ele nunca fizera menção de deixar o incumbência. Só os poucos que souberam da conversa travada com Rogério de Andrade na noite anterior entenderam seu gesto. Logo posteriormente aquela reunião, as fotos, a bandeira do Vasco e outros pertences de Paulo Vianna foram retirados da sala da presidência e jogados no lixo. Oficialmente, Wandyr Trindade, vice-presidente, assumiu o posto. Mas todos na escola sabem: quem passava a mandar a partir dali era Rogério, pela primeira vez assumindo a quesito de patrono.
Naquele momento começou a reviravolta no estilo normalmente recatado e distante do Carnaval pelo qual Rogério era divulgado. Nos anos anteriores, ele só tinha aparecido no noticiário por fatos ligados à disputa na contravenção: a denúncia de assassínio do primo, Paulinho Andrade (da qual foi inocentado); apreensões de máquinas caça-níqueis e a sanguinária disputa com o genro de Castor e também violador Fernando Iggnacio, que rendeu de secção a secção vários atentados a tiros e até mesmo a petardo — em 2010, o rebento jovem de Rogério morreu quando seu coche explodiu à luz do dia, na Barra.
Quando assumiu o posto de patrono da Mocidade, Rogério não deixou de ter o nome ligado pela polícia a crimes dignos da máfia – entre os quais o assassínio de Fernando Iggnacio, no dia 11 de novembro de 2020, com vários tiros de fuzil na cabeça. Mas ele passou a ser associado também a assuntos mais amenos, porquê a organização da maior sarau popular do Brasil. Seu objetivo é se beneficiar dessa espécie de passaporte para a corroboração social, tão usado pelos chefões da contravenção carioca, que ninguém explorou tão muito quanto Castor de Andrade.
Apesar de ter o mesmo sangue correndo nas veias, Rogério não tem um pingo do talento carnavalesco de Castor, que morreu em 1997. A lista de crimes atribuídos ao tio, comprovados ou não, também é extensa, mas mesmo assim ele conseguiu usar a folia para difundir na prelo a imagem de benfeitor, folgazão e bom de samba. Vestindo esse personagem, Castor era entrevistado amistosamente em programas do horário sublime da TV, exibia em público os seus amigos influentes – Boni, um dos criadores da Orbe, era um deles – e desfilava aplaudido pelas arquibancadas do Sambódromo.
Já Rogério parece ter enorme dificuldade para movimentar os músculos da face que formam o sorriso – talvez também por desculpa das várias cirurgias plásticas que fez com objetivo de enganar a polícia, quando era um fugitivo. Está longe de ter o carisma pessoal do tio e nunca foi visto exibindo samba no pé.
Seu desempenho porquê patrono é sofrível. Depois que se tornou o chefão da Mocidade, investiu superior e a escola foi campeã em 2017. Do ano seguinte até 2022, Rogério teve as contas bancárias bloqueadas pela Justiça, chegou a ser recluso duas vezes, ficou seis meses fugido por desculpa da denúncia de organização criminosa, prevaricação, lavagem de verba e homicídio. Nesse período, botou pouco verba na assembleia e no ano pretérito a Mocidade quase foi rebaixada. Ficou em penúltimo lugar.
Apesar da denúncia do Ministério Público do Rio, de que o papel de patrono da escola é na verdade uma frente para lavar verba, ele voltou a financiar a preparação do desfile deste ano.
Parece disposto a tentar novamente a transformação de capo em patrono da Mocidade. Não que tenha desembolsado muito verba nos últimos meses, mas, segundo contaram ao ICL Notícias integrantes do barracão da escola de Padre Miguel, atuou em momentos de emergência, quando faltavam recursos para finalizar um ou outro coche simbólico. Soltou R$ 50 milénio cá, R$ 100 milénio ali, alguma coisa muito aquém da serra milionária de verba que os bicheiros dizem injetar a cada desfile.
Também por desculpa dessa ajuda, o clima atual da escola é de otimismo, o inverso do ano pretérito. Outrossim, o enredo e o samba que serão levados ao Sambódromo na segunda-feira (12) caíram nas graças do povo. Tanto os ensaios de rua, no bairro da zona Oeste, quanto os ensaios técnicos, na Marquês de Sapucaí, ficaram lotados e se desenrolaram em clima de empolgação.
No embalo desse superior astral, Rogério de Andrade quer estender a influência para além da Mocidade. Seus últimos movimentos mostram que pretende ter papel de destaque na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a entidade que reúne os dirigentes do carnaval, quase todos contraventores. A teoria é disputar o protagonismo para ocupar espaço quando os atuais líderes da liga, todos de cabelos brancos, derem lugar aos jovens.
A sucessão será disputada por dois grupos. Do lado de Rogério estão Vinicius Drumond — rebento do violador Luizinho Drumond, que morreu em 2020 – e Adilson Oliveira Coutinho Rebento, da escola de samba Acadêmicos do Grande Rio, de Duque de Caxias. Do outro, Gabriel David — rebento do bicheiro Aniz Abraão David, o Anísio, da Beija-Flor — e Luiz Guimarães, o Luizinho — rebento de Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, chefão da Vila Isabel.
Há um pacto para que Gabriel David seja o próximo presidente da Liesa, mas o projecto de Rogério é de médio prazo. Ele entendeu que participar da cúpula do samba é também uma forma de sedimentar o seu domínio territorial na contravenção. Há entre os bicheiros um pacto tácito de que os verdadeiros chefões têm que estar muito representados na liga e quem não estiver perde prestígio.
Há ainda dúvidas do patrono da Mocidade sobre se o clima continuará pacífico entre os capos posteriormente a saída de cena dos contraventores mais velhos. Para a eventualidade de qualquer provável horizonte embate, a atuação na Liesa serve também para formar alianças nas guerras do bicho.
Em suma: Rogério passou a ver a Liesa porquê uma utensílio a mais para manter e fortalecer seus “negócios”.
Por isso, nas últimas semanas vazou para a prelo informações dando conta de que estava participativo porquê nunca na Mocidade, a ponto de se reunir com integrantes da virente e branco na reta final da preparação para o desfile e até dar a última termo na escolha do microvestido com que a mulher, Fabíola Andrade, vai se apresentar porquê rainha da bateria. Ela vai usar uma peça de decote cavadíssimo. “Era isso mesmo que eu queria”, disse Rogério sobre a roupa da mulher, segundo informou a jornalista Vera Araújo, no jornal O Orbe.
O que pode impedir Rogério de observar o desfile de sua escola no Sambódromo é um pequeno enfeite, que ele usa 24h por dia: a tornozeleira eletrônica.
Mesmo obrigado a retornar à residência até às 20h, o sobrinho de Castor tinha esperança de que a Justiça pudesse mitigar a restrição para conseguir estar na Sapucaí amanhã. Mas restam poucas chances de que isso aconteça. Ele é culpado de chefiar uma organização criminosa que domina o jogo proibido na Zona Oeste e de partilhar propinas a policiais. Chegou a permanecer quatro meses recluso por esse motivo, mas foi solto por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dezembro de 2022. A prisão foi convertida em domiciliar, com tornozeleira.
São fatos assim, que constam de seu extenso prontuário policial, que o capo quer jogar para segundo projecto. Continua não sendo um amante do Carnaval e tendo carisma negativo, mas vai se esforçar novamente e tentar que o papel de patrono da Mocidade, posto referto de luz e glamour, se sobreponha à relação de crimes sangrentos de que foi culpado.
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