Por Gabriel Gomes*
Não foi só o 20 de novembro que passou a marcar no Brasil a resguardo da Consciência Negra. Com o tempo, o penúltimo mês do ano passou a ser completamente tomado por debates, eventos e anúncios publicitários dedicados ao tema. A data faz referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola e símbolo da luta antirracista no país, em 1695. No entanto, apesar da ampla divulgação da pregação contra o racismo, anualmente militantes antirracistas são obrigados a repetir conceitos básicos sobre questões que já imaginavam superadas.
Por isso, para secção da população preta novembro não é exclusivamente o Mês da Consciência Negra, mas também o “Mês da Paciência Negra”. Essa adaptação irônica tomou conta das redes soviais nas últimas semanas.
Explicações sobre termos racistas e antirracistas, esclarecimentos sobre a história de luta de Zumbi dos Palmares e frases de desvolarização da data são, anualmente, secção do cotidiano da população preta nessa quadra do ano. O ICL Notícias conversou com algumas personalidades negras para saber se concordam que novembro exige deles uma ração muito maior de paciência.
ELIANA ALVES CRUZ (Jornalista, escritora, colunista do ICL Notícias)
“Todo ano são as mesmas questões levantadas”
“É um cansaço que bate de a gente ter que reprisar os mesmos temas, as mesmas discussões, os mesmos argumentos, ano posteriormente ano, depois de tudo que já nos aconteceu na história do Brasil. É muito estarrecedor que não esteja posto para a sociedade brasileira que a escravidão foi um contra-senso e que ela tem sequelas que ecoam até hoje e que a sociedade brasileira tenha adoecido muito por conta do racismo que a formou. Isso realmente desculpa um cansaço, principalmente para pessoas negras que têm qualquer letramento ,estudam e sabem a fundo coisas que afetam inclusive a população branca, que não se racializa, que se vê uma vez que padrão.
A gente estuda tanto a população branca quanto a população negra, e isso nos desculpa uma tormento, uma angústia por a gente não ter interlocução qualificada para debater isso, as pessoas ficam no rasinho, ‘Ah, mas o maior racista é o próprio preto’, ‘Ah, mas o Zumbi tinha escravizados’, isso desculpa um cansaço e todo ano são as mesmas questões levantadas e não há uma vez que a gente consiga suplantar esse exposição.
A Colunista do ICL Notícias, Eliana Alves Cruz. Foto: Divulgação.
O “Mês da Paciência” também é por conta de uma desvalorização do nosso trabalho. É o Mês da Consciência Negra, mas o que chove de pedido de palestra, de aconselhamento e de consultoria sem oferecimento de pagamento a essas pessoas, sem que vejam que isso é um conhecimento adquirido que precisa ser remunerado, é mais uma reedição do próprio racismo e da própria escravidão.
Todo ano nós temos que repetir que Palmares tinha uma lógica de sociedade que se espelhava em sociedades africanas. A escravidão existia em todas as sociedades. Na escravidão transatlantica, mercantilista, foi a primeira vez na história da humanidade que se atribuiu a uma cor de pele a quesito precípua de escravizado. Todo ano, nós respondemos sobre colorismo, quem é mais ou menos preto, isso zero mais é do que racismo.
A gente não pode deixar o exposição da “Paciência Negra” suplantar o da Consciência Negra. Isso precisa viver perene na sociedade brasileira para que a gente consiga finalmente caminhar em outras bases. Não há uma vez que o Brasil não pensar seriamente sobre isso, porque está no cerne de todas as nossas questões, inclusive na questão ambiental, na economia, na cultura, na política. É tudo multíplice, mas a gente precisa pensar sobre isso”
RENÊ SILVA (Editor da plataforma Voz das Comunidades, sediada no Multíplice do Teutónico)
“Todo teor está disponível para qualquer pessoa”

,Renê Silva – Foto: Reprodução/Redes Sociais.
“As pessoas, pelo vestuário de não estudarem sobre antirracismo, sempre colocam as pessoas pretas no lugar de ‘vocês tem que ensinar a gente’. Não, gente. Tem um monte de livro publicado, um monte de artigos, documentários, vídeos, muito teor disponível para que todos possam acessar, não precisa eu e nenhuma outra pessoa preta permanecer explicando uma vez que fazer, o que fazer e qual é o caminho. A gente não precisa, já passamos muito dessa temporada. E hoje, todo teor está disponível para qualquer pessoa”.
ROBERTA GARCIA (Apresentadora do Sinapse ICL)
“As pessoas não sabem. As pessoas não têm essa informação”
“Quando a gente deixa muito simples que dia 20 de novembro foi o dia da morte de Zumbi e quem foi Zumbi dos Palmares, a gente explica tudo. As pessoas não sabem. As pessoas não têm essa informação. E aí, quando a gente passa o motivo, a razão desse dia viver, que é sobre Zumbi, a gente quebra qualquer argumento do ‘dia do branco’, ‘dia do virente’, ‘ que eu estou cansada dessa luta antirracista’ e, inclusive, sobre o dia da paciência. Porque, para mim, tudo isso morre quando a gente explica o que é o dia.

Roberta Garcia, apresentadora do Sinapse. Foto: Reprodução
Estou falando da questão de ser educativo. Para o público branco, quando a gente traz esse vestuário, mostra quem foi esse faceta, o que ele representa, a gente está dizendo tudo sobre a luta, sobre a resistência, sobre o que é ser antirracista, sobre a verdade de hoje e porque a gente tem que mudar quem foi essa pessoa e porque é uma referência e um símbolo de resistência e mudança e isso é atemporal. A gente fica de ‘saco referto’ de repetir conceitos, mas não é sobre os conceitos, mas sim sobre a razão de ser do dia”
ANDRÉ GABEH (Roteirista, cantor, ex-BBB)
“Só explico essas coisas para as pessoas até cinco anos”
“É um termo mais do que favorável porque começam as primeiras manifestações falando sobre a valor da data, do mês, aí começam a vir aquelas frases de ‘somos todos iguais’, ‘não existe raça preta ou branca, existe raça humana’, ‘ eu não vejo diferença de cor, só enxergo coração’, uma vez que se a pessoa fosse cardiologista. É um verdadeiro inferno.

Roteirista André Gabeh. Reprodução/ Redes Sociais
Eu não explico zero, essas pessoas que mordam as costas, é ruim que eu vou permanecer explicando. Essas pessoas só sabem fazer petardo caseira, sabonete a partir de cinzas de cigarro, sabem fazer receitas mirabolantes com dois ingredientes. Eu vou ter que parar a minha vida para explicar a esse povo sobre racismo? Não paro mesmo. Eles que se virem e não encham meu saco. Eu só explico essas coisas para as pessoas até cinco anos. Depois disso, elas que se virem, porque não é verosímil que, na era da informação, eu vou permanecer explicando para aquele faceta que quer se desconstruir proferir ‘eu sou um racista em desconstrução’. Não posso fazer zero. Com o tempo que eu tenho para gastar com esse gente, eu leio um livro, tomo um picolé.
Preto é sempre lembrado nessa quadra, se muito que esse ano estou achando que a procura está menor, não sei o que está acontecendo. Também somos procurados em quadra de campanha política, sempre aparecendo um preto dando testemunho, falando ‘nós estamos cá para mostrar o projeto do partido tal porque nós somos o partido tal’, eles sempre botam um pretinho prazenteiro com o cabelo muito afro para proferir que são inclusivos”.
RENATA SOUZA (Deputada estadual no RJ pelo PSOL, concorreu à Prefeitura do Rio)
“Nossa paciência é gigante, mas é evidente que um dia a perderemos”
“Não há incerteza sobre a valor do Dia da Consciência Negra, por tudo que representou Zumbi dos Palmares e a resistência nos quilombos guerreiros do nosso país. É evidente que uma vez que essa data seja celebrada em termos de resistência, há uma tentativa, nessa nossa sociedade racista, de minorizar os debates colocados com relação aos impactos do racismo, politicamente, economicamente, socialmente, até os dias de hoje.

deputada Renata Souza. Foto: Divulgação/Renata Souza
“Eu não tenho dúvidas de que falar sobre o dia da Paciência Negra é também revelar o quanto nós estamos cansados de ter as nossas vidas desumanizadas, de ter que explicar o óbvio em uma sociedade tão desigual e racista , em um país uma vez que o Brasil. De ter que levantar questões que para o nosso povo preto é tão doída, tão violenta e massacrante. Quando nos desumanizam uma vez que pessoas negras, que precisamos recorrer aos nossos ancestrais para que a gente posso ter força para seguir, é justamente diante dessa ‘paciência ancião’ que a gente tem que ter.
A ‘Paciência Negra’ é um reforço do tamanho da luta que a gente ainda tem para que os nossos corpos não sejam desumanizados. Seguimos aí no novembro preto, seguimos em uma pespectiva pedagógica desse processo e por uma política de pensar um novembro preto não só uma vez que um mês desviado de toda uma verdade de desigualdade, mas também de um momento onde essas reflexões precisam se dar de uma maneira concreta, no cotidiano, na prática diária para superação do racismo. A nossa paciência é gigante, mas é evidente que um dia a perderemos”
*Gabriel Gomes é estagiário, sob supervisão de Chico Alves
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